sexta-feira, 13 de junho de 2008

Cidadania começa em casa! Quais são os direitos dos empregados domésticos.


Por Rita de Cássia Tenório Mendonça*

A Lei n.º 5.859/72 define empregado doméstico como “aquele que presta serviços de natureza contínua e de finalidade não lucrativa à pessoa ou à família, no âmbito residencial destas”. É a pessoa física que com intenção de ganho trabalha para outra em âmbito residencial, e de forma não eventual.

Dadas as suas peculiaridades, aos empregados domésticos não se aplica a CLT, a não se quando assim estabelece a legislação que especialmente trata desta relação de trabalho. Aos domésticos são garantidos os direitos trabalhistas, nos termos do parágrafo único do art. 7º, da CF/88, e os contidos na Lei n.º 5.859/72, regulamentada pelo Decreto n.° 71.885/73, e alterada pela Lei n.° 10.208/01, o Decreto n.° 3.361/00, e a Lei nº. 11.324/2006.

O vínculo doméstico não tem uma finalidade econômica. É claro que todo trabalho pretende a conquista de bens para a satisfação das necessidades humanas. O que se quer dizer, é que o trabalho doméstico tem uma razão econômica.

É que o empregado doméstico não desenvolve trabalho aproveitado pelo patrão com o fim de lucro. Os serviços prestados pelo empregado doméstico são, sem a menor sombra de dúvida, de natureza econômica para o empregado, pois sua intenção é o ganho. Mas não tem natureza econômica, isto sim, é a utilização dos seus serviços por parte de quem os contrata. Vale dizer: os serviços domésticos não constituem fator de produção para quem deles se utiliza (o patrão), mas, unicamente, para quem os presta.

Como qualquer outra relação de emprego, o contrato de trabalho doméstico é também consensual, comutativo e oneroso, não sendo prestado por mera benevolência, o que lhe descaracterizaria o tipo.

São oito os elementos fático-jurídicos que caracterizam a relação doméstica de emprego: os gerais (pessoa física, pessoalidade, onerosidade, subordinação, continuidade) e mais a finalidade não lucrativa do empregador, prestação laboral à pessoa/família e o âmbito residencial. . E os elementos fático-jurídicos especiais: a) finalidade não-lucrativa dos serviços (valor de uso e não de troca); b) prestação laboral a pessoa ou família, constituindo exceção à despersonalização do empregador (difícil aplicação dos arts. 10 e 448, da CLT, referentes à sucessão trabalhista, pois a pessoa jurídica não pode ser empregador doméstico; embora grupos de pessoas físicas, podem; ex: repúblicas); c) âmbito residencial (todo ambiente vinculado à vida pessoal do indivíduo ou família).

A pessoalidade ganha especial intensidade, pois a confiança é maior com relação ao trabalhador doméstico.

O trabalho doméstico é o prestado no âmbito residencial do empregador. Mas o termo “âmbito residencial” não tem sentido restrito, posto que não se limita ao conceito do que viria a ser casa, mas abrange os ambiente que estejam diretamente ligado à vida privada da família (casa de campo, casa de praia, chácara etc.).

Mas isso não é suficiente para caracterizá-lo, uma vez que alguém que exerce as funções de cozinheiro na residência de uma família, mas para ajudar a patroa a preparar refeições para terceiros (quentinhas), em verdade é um empregado regido pela CLT, e não um doméstico. É que a atividade a ser desenvolvida não poder finalidade lucrativa. O vínculo doméstico não se deve mesclar com operação com fins lucrativos desenvolvidas pelo empregador.

Não são considerados domésticos os serviços prestados às instituições assistenciais (conventos, orfanatos, igrejas e asilos), comerciais (lavanderia de hotel ou pensão) ou industriais (cozinheira de fábrica). Também não são considerados domésticos os serviços prestados a condomínios (porteiro, zeladores, faxineiro e serventes de prédios de apartamentos). Em todos estes casos, os trabalhadores são regidos pela CLT. Falta, nestes casos, a convivência familiar em residência particular.

É claro que o condomínio não exerce atividade econômica. Mas também não se trata de “âmbito residencial” (o condomínio é representado pelo síndico e os condôminos respondem, proporcionalmente, pelas obrigações decorrentes das leis trabalhistas).

A natureza da função também não é suficiente para definir a condição de empregado doméstico. Um cozinheiro pode servir tanto a uma residência como quanto a um restaurante; uma professora pode dar aulas de reforço em residência particular ou ensinar numa escola; um vigia, ou um motorista, podem exercer suas atividades em caráter residencial ou para determinada empresa.

O exclusivo ambiente familiar também não basta para caracterizar o trabalho doméstico, pois uma diminuta empresa pode ser instalar no lar.

A jurisprudência não admite relação de emprego doméstica entre cônjuges ou companheiros (não se admite subordinação de um sobre o outro), mas reconhece a sociedade de fato entre eles (o que também afasta a relação de emprego, do ponto de vista lógico).

A Lei n.° 5.859/72 preferiu não repetir a expressão do art. 3º da CLT (“serviço de natureza não-eventual”), substituindo-a pela expressão “serviços de natureza contínua”, apresentando a noção de um acontecimento cuja ocorrência se dá um dia após o outro. Ao usar “continuidade” a lei afasta da figura técnico-jurídica do empregado doméstico, o trabalhador diarista, as faxineiras, as lavadeiras e passadeiras de roupa e demais trabalhadores que prestem serviços sem fins lucrativos, no âmbito residencial das famílias, mas sem fluidez temporal sistemática (trabalhador eventual doméstico).

Ainda que os diaristas compareçam ao local de trabalho em um ou dois dias fixos por semana, estão excluídos da proteção da legislação destinada aos domésticos. São considerados autônomos por lhe faltar a continuidade na prestação dos serviços. Devem se vincular a Previdência Social como autônomos.

Quanto às férias do empregado doméstico, a CF não garantiu o número de dias, mas apenas o direito. O Decreto que regulamentou as férias dos domésticos remeteu à aplicação da CLT, mas nos limites e especificidades da Lei n.° 5.859/72. Mas como o decreto é inferior à lei, prevalecia ela, sendo o decreto inócuo neste particular. O tempo era de 20 dias. Havia discussões doutrinárias. Hoje, elas se tornaram desnecessárias, pois a Lei n.° 11.324/2006 promoveu alterações na Lei n.° 5.859/72, estabelecendo férias de 30 dias, e mais o terço constitucional. A nova regra passou a valer para os períodos aquisitivos iniciados após a data da publicação da lei.

Não foi previsto na lei o direito às férias proporcionais e nem a dobra das férias. Contudo, atualmente, o entendimento é de que é cabível o pagamento dobrado, calculado sobre as férias quando pagas fora do tempo previsto em lei, e o pagamento das férias proporcionais, em caso de ruptura do contrato de trabalho. O mencionado decreto determinou a aplicação da CLT, nos limites da lei dos domésticos; e esta não prevê qualquer proibição.

O Brasil ratificou a Convenção da OIT, de nº 132, que entrou em vigor em 1999, por meio do Decreto nº 3.197/99. A partir de então, entende-se ser direito do empregado doméstico os relativos às férias, acima mencionados, mesmo em caso de rescisão por justa causa. E assim vem se pacificando o entendimento doutrinário.

O doméstico passou a usufruir, também, do direito de não trabalhar em feriados civis e religiosos. Caso isso ocorra, tais dias devem ser pagos em dobro, ou concedida folga compensatória em outra ocasião. Neste particular, lembramos que foi revogado o teor do art. 5º da Lei n.° 605/49 (que trata do repouso remunerado), que excluía o empregado doméstico de sua incidência.

Ao contrário das demais trabalhadoras, a licença-gestante da doméstica é paga diretamente pela Previdência Social, no valor do seu último salário-de-contribuição (art. 73, Lei n.° 8.213/91). Com o salário maternidade de 120 dias, pago diretamente pelo INSS, também é feito o pagamento de 4/12 do 13º salário.

Com a Lei n.° 11.324/2006, a empregada doméstica gestante passou a ter estabilidade no emprego. Atualmente, não pode ser dispensada desde a confirmação da gravidez, até cinco meses após o parto. Antes, a doutrina se dividia. De um lado, a corrente que entendia que a CF não poderia ter pretendido excluir a doméstica dessa garantia, não só por ter-lhe estendido à licença-maternidade, como também por a gravidez consistir em evento biológico, pessoal e social idêntico para qualquer trabalhadora; e, de outro, a corrente que dominava a jurisprudência, e dizia que no instante em que a CF pretendeu se referir e englobar em suas normas a categoria doméstica fez menção expressa (art. 7º, parágrafo único) não lhe estendendo o benefício da estabilidade. A corrente defendia que a ordem jurídica não garantiria o emprego em atividade cuja confiança se encontra em primeiro plano na relação de emprego.

Também a partir da Lei n.° 11.324/2006, é proibido o desconto de parcelas salariais por entrega de alimentação, vestuário, higiene ou moradia. Assim, no caso de o empregado receber do patrão alimentação, vestuário, higiene ou moradia na própria residência em que são prestados os serviços, é proibido qualquer desconto com esse argumento.

A única exceção é no caso de a moradia oferecida ser uma residência completa, em local diverso do que ocorre a prestação dos serviços. Caso se trate de habitação em local diverso, o desconto dependerá, ainda, de acordo entre as partes. O valor abatido não poderá ser considerado salário in natura (salário-utilidade), ou parcela da remuneração, ou seja, não se pode pagar salário inferior ao mínimo, ao pretexto de que o valor que lhe falta corresponde a parcela relativa à moradia concedida.

Com relação ao transporte, o empregado doméstico tem direito aos vales-transporte necessários a locomover-se de sua residência ao local de trabalho, nos termos do Decreto n.° 95.247/87. Os vales são custeados pelo empregador, que só pode exigir do empregado que participe deste custeio com o valor máximo de 6% do salário do empregado.

São os seguintes, os únicos descontos possíveis no salário do empregado doméstico: a) INSS (parte do empregado, a ser repassada para a Previdência Social); b) faltas injustificadas; c) adiantamentos de salário; d) custeio para a compra de vales-transporte, mas cujo valor não pode ultrapassar 6% do seu salário.

O empregado doméstico também tem direitos potenciais (para usufruir o direito, dependerá da iniciativa do empregador). São aqueles em que o empregador doméstico está livre para conceder ou não, sem que haja lei que o obrigue. São eles: a) FGTS (o empregador deve recolher pelo menos uma vez; depois disso, torna-se obrigatório (Decreto n.° 3.361/00); b) multa de 50% na dispensa sem justa causa (40% é para o empregado e 10% permanece retido para a União); c) seguro-desemprego (o empregado deve ter pelo menos 16 meses de trabalho com recolhimento, tendo direito a receber no máximo 3 parcelas de 1 SM. Para que receba novamente o seguro, em caso de nova fase desempregado, deve trabalhar mais 16 meses com recolhimento do FGTS).


* é Assessora Jurídica do Ministério Público do Trabalho em Alagoas, Pesquisadora da Escola Superior do Ministério Público da União e Consultora em Direitos Humanos e Inclusão Social. Mantém o blog http://www.umdireitoquerespeite.blogspot.com/. Contato: ritarita2000@gmail.com

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