quinta-feira, 19 de abril de 2007

Libras e português andam lado a lado em experiências que apontam o bilingüismo como o mais indicado para a educação de surdos

Uma tendência vem se estabelecendo no país: o uso do bilingüismo na educação de crianças surdas. As ações do Ministério da Educação e Cultura (MEC) têm esse foco, assim como as experiências de escolas em diferentes estados. O uso de duas línguas na educação de surdos, a Língua Brasileira de Sinais (Libras) e a língua portuguesa, é uma solução que supre as necessidades de quem pouco ou nada pode ouvir. Embora ainda não haja consenso sobre o assunto, a polêmica sobre a preferência de uma ou outra vem diminuindo. Se, antes, especialistas divergiam sobre a melhor modalidade educativa para surdos, a dúvida atual é sobre a capacidade das instituições de ensino para atuar eficientemente. Boas iniciativas pipocam no país, mas são o início de um processo.

"É importante que a Libras seja oferecida precocemente aos surdos", afirma a coordenadora do Espaço Universitário de Estudos Surdos da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e doutora pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFGRS), Nídia de Sá. "A primeira língua, ou língua materna, é aquela que a criança adquire naturalmente. No entanto, é importante que o surdo tenha acesso a outras línguas." Para ela, o acesso precoce à Libras possibilita à criança ter condições para desenvolver plenamente seu sistema cognitivo. Como crianças surdas assimilam conhecimento através das imagens (e não pela sonorização de palavras), sua língua materna deve ser visual. O que não significa que o uso da Libras seja suficiente. Os sinais devem ser um meio para que aprendam a língua portuguesa, que dará a elas acesso a um mundo majoritariamente ouvinte. "A utilização do português escrito e falado é essencial para a criança ampliar seu vocabulário, ter acesso a todos os níveis de ensino e, futuramente, ao mercado de trabalho." Como é possível concluir, o ideal é a criança receber acompanhamento fonoaudiológico ainda na primeira infância, para que aprenda leitura labial e a articular a fala.
O reconhecimento da Libras como meio legal de comunicação aconteceu com a Lei 10.436/2002, que obrigou os cursos de educação especial, fonoaudiologia e de magistério a incluir seu ensino como parte dos Parâmetros Curriculares Nacionais. Naquele ano, 52.422 alunos com surdez estavam matriculados no ensino básico (que inclui infantil, fundamental e médio), sendo que a presença deles no ensino médio era de apenas 376 alunos. Já nos cursos de Educação de Jovens e Adultos (EJA), o número era de 2.134 alunos. "Essa é uma característica do ensino brasileiro como um todo", afirma a coordenadora da Secretaria de Educação Especial do MEC, Marlene Gotti. "O índice de evasão é crescente do ensino infantil para o médio e há um aumento significativo nos cursos de EJA, demonstrando a preocupação de jovens e adultos voltarem a estudar." Com os surdos também é assim. A diferença é que a presença deles no ensino médio, que era rara, vem aumentando significativamente. Ao comparar os números de matrículas no ensino médio em 2002 e 2006, veremos que a participação de surdos aumentou de 376 para 4.353 alunos - cerca de 1.057%.
"A presença dos intérpretes de Libras e instrutores especializados nas escolas regulares têm possibilitado o aumento e a permanência dos surdos no sistema de ensino," afirma Nídia. A tendência é que o quadro continue melhorando, mas ainda há muito trabalho a ser feito, uma vez que cerca de 75% dos surdos em idade escolar estão fora do sistema de ensino regular. Essa porcentagem é uma estimativa baseada no cruzamento de dados do MEC e do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que apontou a existência de 519 mil surdos com até 17 anos no Brasil, no Censo 2000.
A Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), que coordenou a primeira edição do Prolibras, projeto realizado em parceria com o MEC que inclui o Exame Nacional de Certificação de Proficiência em Libras e o Exame Nacional de Certificação de Proficiência em Tradução e Interpretação da Libras/Língua Portuguesa, divulgou, em março, a aprovação de 1.349 profissionais. São pessoas qualificadas para traduzir e interpretar a linguagem de sinais dentro da sala de aula nos diferentes níveis de ensino. A UFSC também possui o primeiro curso superior de licenciatura em Letras/Libras, que funciona em parceria com outras oito universidades brasileiras e conta, atualmente, com 500 alunos.
"Esses profissionais estão sendo preparados para lecionar pela abordagem bilíngüe no ensino médio e superior", explica a coordenadora do curso, Ronice de Quadros. "Temos carência de intérpretes qualificados. Muitas vezes, eles aprendem em espaços religiosos ou em cursos desqualificados. As universidades precisam assumir a função de formar esses profissionais." Não se pode mesmo comparar o aprendizado especializado com o apenas bem intencionado. Na prática, a educação bilíngüe é vivenciada de maneiras diferentes pelas escolas. Há aquelas chamadas especiais, que possuem professores especializados em ensinar em Libras e que são exclusivas para alunos surdos. Há aquelas chamadas regulares, ou comuns, que mesclam surdos e ouvintes nas salas, ou que montam salas exclusivas para surdos, mas dentro do mesmo ambiente escolar. Nessas instituições de ensino, a presença de intérpretes, salas de recursos ou de monitores especializados auxiliam o estudante na rotina escolar.
As diferentes experiências praticadas nos estados têm pontos em comum. Elas comprovam que o aprendizado da língua portuguesa é essencial para a inclusão do surdo e, especialmente, para que ele desenvolva uma boa capacidade de comunicação. Da mesma forma, a Libras tem sido destacada como uma porta de acesso a diferentes universos - especialmente o da escrita e leitura. Assim, para as escolas que estão inseguras quanto à melhor maneira de educar seus alunos surdos, aprender com os erros e acertos de outros lugares é sempre uma boa alternativa.
Experiências pelo Brasil: * 20 anos de experiência inclusiva no Paraná Há vinte anos, a Escola Estadual Erasmo Pilotto, em Curitiba (PR), recebe alunos surdos. Atualmente, são 96 estudantes surdos e 3.200 ouvintes. Antes, surdos e ouvintes dividiam a mesma sala de aula. Há seis anos, o esquema mudou. "Passamos a ter salas só de alunos surdos profundos e com, no máximo, 15 pessoas por sala", afirma a coordenadora de educação especial, Josélia Ribas. Para essas turmas, existem professores bilíngües, que ensinam em LIBRAS. "Os alunos que fazem leitura labial ficam nas salas com ouvintes e, quando necessário, são auxiliados por intérpretes." Nos dois casos, os alunos contam com o apoio do Centro de Atendimento Especializado em Surdez, que funciona dentro da escola atendendo os alunos individualmente duas vezes por semana e trabalhando o aprendizado da língua portuguesa. "Se o aluno domina bem o português, melhora o aprendizado das outras matérias."
A escola é rígida no quesito aprovação. "Nós não facilitamos. O aluno só é aprovado se realmente tem conhecimento sobre o conteúdo daquela série." O resultado aparece nos vestibulares. Em 2005, 17 alunos surdos ingressaram no ensino superior - 10 deles em disputadas universidades públicas.
* Em Goiás, a escola é para todos No sistema de ensino goiano não existe escola especial para surdos. "Estão todos incluídos", garante a secretária de educação, Milca Pereira. Essa realidade foi possível com o investimento em cursos para formar intérpretes de LIBRAS e instrutores para alunos surdos. Hoje, a rede conta com um intérprete para cada 3,4 estudantes surdos. Além dos intérpretes, as salas possuem instrutores (todos surdos) que auxiliam o aluno no aprendizado.
"Esse profissional está habilitado para orientar o aluno e resolver suas dúvidas sobre o conteúdo escolar. Ele complementa o trabalho do intérprete, que apenas traduz em sinais as falas do professor na sala de aula."
O modelo de trabalho começou a ser implantado em 1999 e os resultados se refletem nas universidades do estado, que a cada ano requerem um número maior de intérpretes para as suas salas de ensino.
* Vivência gaúcha com a escola especial A Escola Helen Keller, de Caxias do Sul (RS), possui 232 alunos surdos e atua nos níveis infantil, fundamental e médio - e também na intervenção comunicativa, que estimula precocemente o uso dos sinais. "Algumas crianças chegaram sem comunicação nenhuma. Sabiam, no máximo, gestos que imitavam de familiares", afirma a diretora, Maria Alice Rodrigues. "Os que entraram precocemente tiveram a oportunidade de estimular o sistema cognitivo e encontraram menos dificuldades na vida escolar."
O acompanhamento fonoaudiológico é um diferencial. Os que falam ou fazem leitura labial (a minoria, na escola) têm melhor vocabulário, o que se reflete em conhecimento. Os conteúdos das séries são os mesmos do ensino regular. Caso o aluno não atinja os objetivos de cada período, repetirá o ano. "Quando concluem o ensino médio, os estudantes são estimulados a seguir a vida acadêmica." Em 2006, a escola formou 18 alunos no ensino médio. Entre eles, 6 prestaram vestibular e 5 foram aprovados em universidades.
Fonte: Rede SACI - Notícia do dia 10 de abril de 2007 (Claudia Gisele)

Um comentário:

  1. Sou Professor de Português e de Inglês. Estou, nesta atual e maravilhosa fase da minha vida, dedicando-me ao trabalho com surdos na Escola da AESOS - Associação Sons no Silêncio, em Salvador.
    Para ser ainda mais útil à causa, gostaria de conhecer novas metodologias para trabalhar melhor com eles a Língua portuguesa.
    Gregório (gregodemattos@hotmail.com)

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