terça-feira, 5 de dezembro de 2006

Entrevista sobre Assédio Moral. Por Rita Mendonça.


EntrevistaTerrorismo psicológico
O assédio moral no local de trabalho

Casos de abusos emocionais no ambiente de trabalho estão cada vez mais comuns, seja na iniciativa privada, seja no serviço público. Em Alagoas, chegou-se ao cúmulo de um administrador eleito confinar um grupo de funcionários em um galpão por perseguição política.

Segundo a advogada Rita Tenório – que há nove anos trabalha como assessora jurídica do Ministério Público do Trabalho em Alagoas, esse é um dos casos mais graves de assédio moral ocorrido no serviço público.

E é sobre esse tema tão polêmico e cada vez mais constante nas relações e nos ambientes de trabalho que ela vai tratar na entrevista a seguir.

Rita Tenório, 34 anos, integra o Núcleo de Combate às Desigualdades nas Oportunidades de Trabalho em Alagoas, é professora virtual de Direito do Trabalho, no site Vem Concursos (
www.vemconcursos.com.br). Atua também como colaboradora e consultora voluntária da rede Saci: Solidariedade, Apoio, Comunicação e Informação (www.saci.org.br).

O que é o assédio moral?

Rita Tenório – Existem várias definições, mas juridicamente considera-se assédio moral qualquer tipo de abuso emocional ocorrido no local de trabalho, de forma maliciosa, que não seja sexual nem racial – senão consistiria em outros ilícitos. A finalidade é afastar o empregado das relações profissionais, através de boatos, humilhações, intimidações ou mesmo de descrédito e isolamento. Tratamentos vexatórios que expõem o trabalhador ao ridículo, repreensões em público, tudo isso é indicativo de assédio moral.

Como o empregado, no ambiente de trabalho, poderia caracterizar alguma atitude como assédio moral?

Rita Tenório – O assédio moral, infelizmente, é muito difícil de ser caracterizado. Geralmente ocorre de forma velada, dissimulada, e objetiva minar a auto-estima da vítima e desestabilizá-la, sem que as demais pessoas do ambiente percebam. E quando essa vítima esboça alguma reação no ambiente de trabalho, todos estranham aquele tipo de conduta. Isso ocorre porque as pessoas que estão ao redor não percebem o assédio. Por isso, a impressão que dá é que a pessoa está agindo e não reagindo. Justamente porque o assédio ocorre de forma velada. Para ser caracterizado o assédio moral o principal fator é a constância. As desavenças esporádicas no local de trabalho não caracterizam assédio moral. Por isso, o ideal é que a pessoa, sentindo-se vítima de assédio, passe a anotar as ocorrências – dia, hora, local e as pessoas presentes. Provar a ocorrência do assédio é muito difícil.

No Ministério Público do Trabalho em Alagoas é comum aparecerem casos ou denúncias de assédio moral?

Rita Tenório – As denúncias estão ocorrendo com bem mais freqüência e atingem tanto a iniciativa privada quanto o setor público. No serviço público, mesmo as pessoas concursadas estão sendo dispensadas. Isso porque o novo gestor ao assumir o cargo decide anular o concurso da administração anterior e em razão disso as pessoas passam por todo o processo administrativo para detectar irregularidades de anulação e são pressionadas, inclusive politicamente. É como se houvesse a impressão de que pelo fato de aquela pessoa ou o grupo ter passado num concurso de uma administração anterior, tivesse alguma ligação com aquele gestor. Isso não faz o menor sentido, mas infelizmente a prática no nosso estado está sendo esta.

Quando um administrador público persegue politicamente o servidor, deixando, muitas vezes, de colocá-lo em algum cargo, ou o transfere de setor, isso pode ser considerado assédio moral?

Rita Tenório – Também. Inclusive temos diversos casos. É comum que com a atuação individual do trabalhador ou do Ministério Público, buscando a reintegração dessas pessoas que foram afastadas irregularmente, é comum que o administrador coloque aquela pessoa num local de difícil acesso ou que lhe cause algum transtorno, onde não haja transporte regular, justamente para “forçá-lo” a desistir ou a faltar ao trabalho.

No caso de constatação de caso de assédio moral, quais as indenizações cabíveis em benefício do trabalhador?

Rita Tenório – O trabalhador pode buscar individualmente a indenização prevista no código civil como qualquer outro dano moral e indenização pelo dano coletivo. Porque atualmente o ambiente onde ocorre assédio moral é considerado nocivo para a coletividade dos trabalhadores. Então o MPT quando entra com ação nesse sentido, sempre busca a reparação do dano coletivo.
O assédio moral provoca algum dano à saúde do trabalhador?Rita Tenório – Existem pesquisas identificando inúmeras conseqüências tanto para o trabalhador quanto para o próprio empregador. A empresa também é prejudicada com a situação de assédio moral porque há uma queda na produtividade, altera-se a qualidade do serviço prestado ou do que é produzido; a criatividade do funcionário é baixíssima, absenteísmo de doenças profissionais são comuns, inclusive acidentes de trabalho. Então o assédio moral causa também conseqüências para o empregador. O trabalhador, em geral, perde o posto de trabalho, fica desmotivado, adoece e há aspectos negativos visíveis em sua vida pessoal, além de estar sujeito a doenças e acidentes de trabalho. Inclusive há estudos que comprovam alguns casos de pessoas que se suicidaram por conta de terem sofrido assédio moral.

Há registros no MPT de Alagoas de casos de assédio moral comprovados?

Rita Tenório – Há um caso em Alagoas que caracteriza bem essa questão de assédio. O fato ocorreu em um hipermercado de Maceió, onde os trabalhadores eram sujeitos à revista íntima. Havia, inclusive, uma marcação no chão que indicava o local onde o funcionário deveria ficar – isso foi constatado por um fiscal e um procurador do Trabalho numa fiscalização. Os homens eram obrigados a ficar nessa marcação e eram apalpados pelo corpo inteiro, inclusive partes íntimas. Essa revista era realizada só nos homens, com exceção das chefias e do pessoal da segurança. Quer dizer, partia-se do princípio que todo mundo era um ladrão em potencial. Com relação a esse caso existe uma ação civil pública, que ainda está tramitando, e alegação é justamente essa: assédio moral e discriminação. Só os homens de cargos inferiores é que eram revistados.

E no setor público?

Rita Tenório – Temos um caso, considerado um dos mais graves de assédio moral ocorrido no serviço público. Foi em uma prefeitura do interior do estado, no município de Anadia, e já há ação civil pública tramitando - o MPT e o Ministério Público Estadual ajuizaram a ação conjuntamente.

E o que aconteceu?

Rita Tenório – Com a nova administração, um grupo de trabalhadores que aparentemente havia apoiado o prefeito anterior – que não foi reeleito – foi colocado em galpão em péssimas condições, sem sanitário adequado, sem cadeiras suficientes, enfim, sem as instalações adequadas. Essas pessoas passavam o dia confinadas no local de trabalho e a lista de freqüência só era colocada no horário da entrada e da saída. Isso obrigava os funcionários a passarem o dia no galpão. E um fato agravante é que o nome dessas pessoas foi anunciado em carro de som pelas ruas da cidade, ou seja, elas foram convocadas publicamente para ficarem confinadas num galpão. Em seguida elas foram dispensadas.

E a ação não impediu a dispensa do pessoal?

Rita Tenório – Com a ação do Ministério Público e da Procuradoria (Regional do Trabalho) elas foram reintegradas ao trabalho, mas o prefeito ainda insistiu em uma atitude que também se caracteriza como assédio moral: os funcionários ficaram no prédio da prefeitura, mas sem que lhes fossem dada nenhuma atribuição e só podiam circular entre a copa e o banheiro. Não podiam transitar pelos outros cômodos da sede. Ocorreram vários casos em que foram feitas transferências absurdas, como por exemplo, um digitador que foi encaminhado para uma escola rural, onde só havia duas salas de aula e energia elétrica só era usada para pontos de luz. Mas a ação continua tramitando na Justiça do Trabalho.

O que fazer para prevenir os casos de assédio moral, como é possível evitá-lo?

Rita Tenório – Atualmente, há um interesse da empresa em evitar o assédio moral porque é atingida diretamente com esse tipo de situação. O que deve ser feito, preincipalmente, é criar uma conscientização entre trabalhadores e preparação de chefias; criar mecanismos, ambientes neutros para que o trabalhador possa denunciar, sem correr risco de represália. A empresa pode elaborar, dependendo de sua realidade, um programa de prevenção. E o que seria isso? A criação de uma ouvidoria, um comitê ou até uma comissão, formada por representantes da direção da empresa e dos trabalhadores, de sindicatos, associações ligadas ao grupo de trabalhadores da empresa. Pode ser criado um código de ética no trabalho, no qual seriam estabelecidas posturas corretas para o relacionamento no trabalho, outras que poderiam ser evitadas para não estimular ocorrências de situações que inibissem o trabalhador. Também poderia ser aberto um canal de comunicação da chefia com o grupo de trabalhadores.

Que é mais atingido por assédio moral?

Rita Tenório – O assédio moral atinge homens, mulheres, trabalhadores braçais, executivos, mulheres em grupos de homens e vice-versa; na iniciativa privada e no serviço público. Infelizmente, o prognóstico é que nos próximos anos essa prática ocorra ainda com mais freqüência. Ela é tão antiga quanto o próprio trabalho e foi mais agravada nos últimos tempos em função da globalização e da flexibilização das relações de trabalho. É também denominado de terror psicológico do trabalho ou Mobbing, que significa comportamento de diversos animais que circundando ameaçadoramente outros membros do mesmo grupo provocam sua fuga por medo de um ataque.

Como se caracterizam os casos de assédio moral?

Rita Tenório – O assédio moral pode ser dividido em três grupos de comportamento: um é a interrupção da comunicação, ou seja, quando há uma quebra na comunicação do assediador com a vítima; a outra são ofensas à reputação da pessoa; e a manipulação da dignidade profissional. No Brasil a jurisprudência da Justiça do Trabalho ainda é recente e escassa e a primeira decisão que reconheceu expressamente indenização com direito a pagamento por danos morais é de 2002. A juíza Sônia das Dores Dionísio, do TRT (Tribuna Regional do Trabalho), da décima sétima região, considerou que a tortura psicológica, destinada a golpear a auto-estima do empregado, visando a forçar sua demissão ou apressar sua dispensa, resulta em assédio moral.

Entrevista concedida a Simoneide Araújo, do www.observatorioalagoano.com (edição n.º 11, de 2005).
Foto: Bob Omena (novembro/2005)

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