quarta-feira, 6 de dezembro de 2006

Entrevista com Jurandir Amadeu, o "Bozo" do Poeira Nordestina.



A ARTE QUE SACODE O POEIRA
Jurandir "Bozo" fala um pouco da banda
que vem conquistando fãs até na Internet

Vindo de Pão de Açúcar para estudar na capital, Jurandir Amadeu Gomes Pinto, 28 anos, não concluiu os estudos, mas assumiu um compromisso de promover e difundir a cultura popular de Alagoas. “Não falo em resgate, é um compromisso mesmo com a nossa cultura”. Talvez pelo nome de batismo poucos o conheçam. Mas se falar em Bozo ou Jurandir Bozo, uma legião de fãs vai ligar seu nome ao grupo que já é sucesso de público em Maceió: o Poeira Nordestina.

Jurandir Bozo é um dos idealizadores, produtores e incentivadores da banda que começou em 1999 sem nome. “Oficialmente, podemos dizer que o Poeira existe há dois anos”. Composta por mais seis integrantes – Tido Moraes, Dudu, Wilbert Fialho, Luciano Vasconcelos, Alex Brito e Luiz Martins –, o Poeira Nordestina conquistou o público com a mistura do coco, rock, música flamenca e outros ritmos da cultura popular que dão o tom na arte alternativa do grupo.

E não é só isso. Os shows do Poeira são um misto de música e teatro. Algo meio mambembe, que vai onde o povo está, apóia as causas sociais e acredita na arte como um instrumento, sim, de transformação da sociedade.

Além de vocalista da banda, Bozo é compositor e professor de teatro. Mas não se considera um cantor. “Trabalho com arte. Sou muito mais um ator que canta do que um cantor que atua”.

Na entrevista a seguir, Bozo também fala da falta de espaços alternativos em Alagoas e critica a manipulação dos meios de comunicação que atrapalham a arte alternativa no Brasil.

As pessoas consomem a arte de má qualidade porque não têm acesso à de boa qualidade?Jurandir Bozo – Acho que sim., mas tem muita arte de boa qualidade que é um saco (risos), nem todo mundo curte. Por exemplo: gostar de jazz é uma questão de opção e gosto. Hoje, aprendi a gostar, mas tenho amigos que têm um excelente gosto musical que acha jazz um saco, não gosta e ponto final. Ópera é uma excelente música, mas não me leve, pelo amor de Jesus.

Mas como você vê essa questão da falta de opção?Jurandir Bozo – Se você der carne com osso para o cachorro, ele vai comer toda a carne e depois vai roer o osso. Acho que as pessoas têm de ter o direito de escolha. O importante é respeitar os espaços. Muitos ritmos e modismos musicais, tipo “axé music”, “oxente music”, que a gente pode achar de má qualidade, muitas vezes nasce na periferia e a gente tem de levar isso em conta. O brega, que está aí tocando hoje nas paradas, foi, de certo modo, a vitória da periferia sobre a hegemonia da mídia, que antes só divulgava a música estrangeira.


Você não acha que está faltando uma certa politização nas músicas, que hoje estão mais voltadas para o entretenimento?

Jurandir Bozo – Acho que sim, mas também é por conta da nossa falta de educação. A gente puxa muitas brigas que não são necessárias. Por exemplo, hoje, há uma discussão muito forte sobre cotas. Há os que defendem que negros não podem ter cotas, que não é por aí que vai acabar com as desigualdades. Mas a mulher pode ter cota, deficiente pode ter cota e ninguém é contra. A gente tem mania de começar a discutir e esconder nossos problemas. Vivemos num país que se diz não ser preconceituoso e é. Onde a maioria da população negra que trabalha recebe salário menor que o branco. O nordestino é discriminado e tem até comunidade no orkut que diz: “Eu odeio nordestino”. As pessoas começam a fingir que está tudo bem e acho que isso acaba refletindo na composição.


Você veio do interior e diz que quando criança ouvia muitas histórias e lendas. Elas influenciaram nas composições de suas músicas?

Jurandir Bozo – Com certeza. Caipora é um exemplo disso. Tenho outra música que não está no repertório do Poeira, sobre fogo corredor. Essas lendas são muito significativas para mim.
Então em Pão de Açúcar vocês tinham medo dessas lendas?Jurandir Bozo – Ah, eu tinha muito medo. Até hoje eu ainda sou cismado. Quando eu era pivete em Pão de Açúcar, morria de medo de fogo corredor, caipora, mula-sem-cabeça, que é uma lenda universal, mas que lá o povo dizia que havia umas figuras que teriam caso com padre e, em noite de lua cheia, a gente achava que a bicha ia correr com cabeça em fogo.


Você acha que essas lendas ainda sobrevivem?

Jurandir Bozo – Como eu dou aula numa escola de primeira a quarta séries e trabalho de uma forma muito aberta, muito lúdica, tento negociar com meus alunos assim: dou uma aula e a outra eu conto história. Já trabalhei em sala de aula todas essas lendas e os alunos me questionam se são verdadeiras. E eu pergunto sempre, o que é a verdade; deixo claro que para mim a verdade é aquilo que a gente acredita. Tem uma frase de um poeta “orkutiano”, Flávio Cirino, que define bem isso: “as minhas mentiras são as mais puras verdades”. Então eu acredito muito nisso. Acho que a fantasia é importante na formação do ser humano.

Uma criança que sonha com Papai Noel, tem medo do bicho-papão, pode ter certeza que será um adulto mais sensível, que acaba entendendo essa crença que teve quando criança. É importante a gente fazer com que as crianças tenham seus ídolos, seus medos. E o mais importante: fazer com que elas saibam lidar esses medos, mesmo que não os vençam. Por isso que as lendas, as histórias do interior são muito importantes dentro dessa fertilidade do campo imaginário do ser humano.


O que você acha que influencia o gosto musical e artístico das crianças?

Jurandir Bozo – Veja bem, eu não sei não. Sei que as crianças ouvem minha música – e isso é muito interessante – e gostam. Acho que as duas grandes fãs que eu tenho são crianças. Uma é Maria Eduarda, lá de Pão de Açúcar. Ela quando me vê fica nervosa, é incrível, mágico. Uma outra garota, também da minha terra, quando chego lá ela vai falar comigo, senta do meu lado, gosta de ouvir minhas histórias. Meu filho praticamente conhece e gosta de todas as músicas da banda.


Você é filiado a algum partido político? Participa de movimento social?

Jurandir Bozo – Não, não tenho filiação política. Participo, como voluntário, de todo movimento que me convida.


De qualquer movimento social?

Jurandir Bozo – Se eu vir que é verdadeiro, sim. O pessoal da Pastoral da Terra [CPT], do PCR [Partido Revolucionário Comunista] e outros que já pesquisei e vi que têm propostas verdadeiras. Tenho uma ligação muito forte com os movimentos sociais. Acredito no associativismo, participei da elaboração de projetos de associações em Pão de Açúcar, acredito nas organizações de classes.


Você se considera de esquerda?

Jurandir Bozo – Eu acredito na esquerda, mas não do jeito que está posta hoje. Acredito na utopia, no sonho. Na esquerda de hoje não acredito, apesar de ter votado em Lula. Até agora não tenho outro candidato para votar. Acho Heloisa Helena uma pessoa digna, muito forte, mas ela comunga de um radicalismo que não sou a favor. A gente tem de saber sentar à mesa e discutir. A autoridade é necessária, mas não o autoritarismo. Acho o sistema de Cuba interessante, mas Deus me livre de morar lá.


Você falou na questão dos movimentos sociais e de seu direcionamento para colaborar com as causas sociais. Foi isso que o levou a fazer a trilha sonora do documentário “Tabuleiro de cana, xadrez de cativeiro”, produzido pela CPT?

Jurandir Bozo – Sim. A gente fez o trabalho por graça – não de graça (risos). Trabalhamos da forma mais carinhosa possível, por acreditar na proposta do movimento. Já participei da programação cultural da feira [Feira Camponesa promovida pela CPT para comercializar os produtos dos assentamentos]. Acredito e a banda também acredita no movimento sem-terra, mesmo achando que, algumas vezes, existem pequenas distorções no movimento e que isso deveria ser melhor analisado por seus integrantes. A opinião popular deveria ser levada em conta. Os excessos acabam colocando o povo contra o movimento. Liberdade é diferente de libertinagem.


Os integrantes da banda pensam assim como você?

Jurandir Bozo – A maioria sim. O Tido é bem engajado nos movimentos populares, faz parte de uma ONG; o Willbert é mais conservador, mas entende e acaba se envolvendo nos projetos voltados para essa área. Se não fosse assim não teríamos feito o Poeira Solidária [um evento solidário para ajudar um jovem de Pão de Açúcar que ficou tetraplégico num acidente]. A banda acredita muito no que eu faço e procuro honrar isso.


Vocês já se apresentaram em cidades do interior?

Jurandir Bozo – Não. Para você ter uma idéia a gente se apresentou em Pão de Açúcar este ano. Fomos primeiro para o Rio [de Janeiro]. Mas tenho um projeto, o Poeiral, para percorrer onze cidades do interior de Alagoas, fazendo shows e oficinas. Acho as oficinas importantes, porque é o momento de discutir as musicas, explicar os arranjos, harmonia, as letras; debater com as pessoas sobre esse universo.


O Poeira Nordestina tem site na internet? Qual sua relação com as novas tecnologias?

Jurandir Bozo – Ainda não temos site. Mas eu costumo dizer que quem salvou o Poeira Nordestina foi a comunidade que o Rafael Cabeça criou no orkut. Houve um momento que eu estava muito desgostoso, a fim de acabar a banda e um dia estava sentado na Praça Rayol, quando um amigo perguntou: “— Já viu sua comunidade no orkut?” — isso era véspera de um show que fizemos no Armazém Pierre Chalita [em Jaraguá]. Eu nem sabia o que era orkut, nunca tinha ouvido falar. Mas fiquei muito feliz e, no show que fizemos, pedi para participarem da minha comunidade. Hoje são mais de duzentos participantes. Isso mostra o carinho do nosso público.


Vocês já estão com CD no mercado?

Jurandir Bozo – Temos um CD demonstração e preciso que ele alcance público, por isso está sendo vendido a sete reais. Já vendemos 500 cópias. Tem capa de papelão reciclado, com adesivo. Estamos com dificuldade de finalizá-lo, mas vamos conseguir. Só que, a partir de agora, a banda tem um propósito. Quem for ver o Poeira Nordestina pode estar assistindo aos últimos shows.


Por quê?

Jurandir Bozo – Porque ou até março do ano que vem a gente está com grana para lançar um disco novo ou a gente acaba mesmo. Não temos de ficar brincando de música não. O que pode acontecer é a banda se tornar um grupo teatral e fazer apresentações, sem visar à produção do CD, mas sim trabalhar o espetáculo. Hoje penso dessa forma, que a banda tem de acontecer; senão a gente vai ficar tocando apenas para amigos. Isso não profissionaliza a banda, entende?

Entrevista de Simoneide Araújo e Bob Omena para o site www.observatorioalagoano.com - edição n.° 26

Foto: Emanuel Galvão (setembro/2006)

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