segunda-feira, 27 de julho de 2009

Trabalho em clandestino em pedreiras: uma potencial fábrica de deficiências.



Na última sexta-feira, integrei a equipe designada por minha chefia, no Ministério Público do Trabalho em Alagoas para verificas as condições de trabalho nas pedreiras clandestinas de Mata Verde, povoado da Zona Rural do município alagoano de Maribondo. O fato me trouxe muitas reflexões. Me trouxe muita esperança, também, pois percebo, nitidamente, que havendo compromisso por parte dos órgãos e entidades que integraram a força-tarefa (só o fato de estarem lá, já demonstra o interesse em trazer luz para a dura realidade encontrada) poderemos levar cidadania e dignidade para os trabalhadores encontrados em situação tão degradante.

Abaixo, mesclo minhas reflexões com artigo escrito por Simoneide Araújo, a eficientíssima Asessora de Comunicação, publicada no sítio do MPT/AL:


O sol forte do meio-dia não desanima José Cícero Bento da Silva, 31 anos. Com um martelo e um ponteiro (ferro firme e pontiagudo) ele vai quebrando as pedras de uma cratera escaldante, para garantir que sua produção chegue aos R$ 120, valor que recebe por uma semana de batente. Essa foi a realidade encontrada nesta sexta-feira (24) pela equipe do Ministério Público do Trabalho (MPT) em Alagoas, em inspeção nas pedreiras do Povoado Mata Verde, Município de Maribondo, distante 86 quilômetros de Maceió.

Casado e pai de dois filhos, José Cícero trabalha em pedreira há 15 anos, e tem uma jornada pesada. Muitas vezes chega a fazer 10h seguidas de trabalho. “A gente tem que trabalhar muito porque tem semana que não dá para tirar nada”.

Além de quebrar pedras, José Cícero também manuseia explosivo, mesmo nunca tendo sido treinado para a atividade. Ele lamenta, mas diz que tem de trabalhar para sustentar a família. Há mais ou menos um mês, José Cícero foi mais uma vítima de acidentes nas pedreiras. “Levei um corte no braço que pegou onze pontos”.

Mas José Cícero já havia sofrido outro acidente quando trabalha com seu irmão. Há cerca de 10 anos, os dois colocaram explosivos para detonar; o material falhou. Quando se aproximaram para verificar o que havia acontecido, veio a explosão. “Fui jogado longe; fiquei tonto, sem saber nem onde estava. Meu irmão perdeu a mão ali mesmo, na hora”, relatou.

Maurício Alves da Silva, 28 anos, trabalha em pedreiras desde os 8 anos de idade. Suas mãos calejadas, em tom de enxofre, são a prova de que nunca usou luvas e nenhum outro equipamento de proteção individual (EPI). Mesmo com uma jornada exaustiva, ganha, em média, R$ 80 por semana.

“Nunca arrumei onde cair morto. Só consigo o mínimo dar comida a minha família. A gente se serve do que arruma. Se for esquentar a cabeça é pior”, disse Maurício.


Outra vítima

O jovem Marciano Domingues Macedo, de 23 anos, é mais uma vítima do trabalho perigoso nas pedreiras. Desde os 8 anos trabalhou quebrando pedra, mas teve de parar de trabalhar em fevereiro de 2008 porque sofreu um grave acidente, que lhe tirou a visão do olho esquerdo e por pouco não perdeu a mão direita. “Estava colocando o explosivo entre as pedras quando um colega bateu com a marreta para detonar; na segunda batida explodiu tudo. Subi mais ou menos na altura de um poste e quando cai foi em cima das pedras e apaguei. Quebrei o maxilar, o osso da têmpora, já próximo ao olho esquerdo, o braço direito e tive cortes profundos nas pernas”, relata, mostrando as cicatrizes do acidente que lhe deixou sem condições de trabalho. "Mesmo passado quase um ano e meio do acidente, ainda não tenho forças para voltar ao trabalho. Tenho muitas dores no corpo, principalmente na mão e no braço, e quando me exponho ao sol, ainda que leve, tenho dores fortes na cabeça", disse, ainda. Hoje, Marciano está desempregado. Não pode mais trabalhar em pedreira porque ainda sente muitas dores. Sua mão se encontra quase sem movimentos e atrofiada. Não pode entrar em benefício pelo INSS, pois era trabalhador clandestino.

São diversos os casos de mutilação em razão da utilização de explosivos em Mata Verde, inclusive afetando mulheres e crianças.


Força-tarefa busca melhoria das condições de trabalho nas pedreiras

Desde o ano 2002 o Ministério Público do Trabalho em Alagoas (MPT/AL) se preocupa com a realidade das pedreiras clandestinas no Estado. Diversas foram as tentativas de solucionar o caso, mas por falta de que se identifique um empregador formal, não é possível regularizar a situação dos trabalhadores. O Ministério do Trabalho e Emprego em Alagoas (MTE/AL) também divide essa preocupação com o MPT. Foram várias as ações fiscais, sempre infrutíferas, pela mesma razão.

O que ocorre, é que na maioria dos casos o proprietário das terras onde se localizam as pedreiras não a explora economicamente. Mas por serem localizadas em regiões de extrema pobreza (Zona Rural dos municípios do interior do Estado), a comunidade acaba solicitando a seus donos a liberação para extração do minério de suas terras. Em alguns casos, os trabalhadores arrendam as terras. Em outros, não há qualquer pagamento pelo extração. Trabalham por sua própria conta, em grupos, muitas vezes compostos de seus próprios familiares (mulheres e filhos menores de idade).

Em outros casos, ainda, os próprios proprietários das terras agregam seu grupo familiar e promovem a exploração, em condições degradantes, idênticas as enfrentadas pelos trabalhadores.

A venda do produto extraído (pedras de paralelepípedo e de meio fio) também é incerta. O material é vendido por preço irrisório e também de forma clandestina, sem garantia de recebimento. "É comum os municípios alagoanos adquirirem as pedras, mas nos darem calote em seguida", falaram na audiência pública. Como não são empresas constituídas regularmente, e também pela baixa escolaridade, os negócios realizados são quase que "acordos de cavalheiros", sem garantia alguma, e sem que os trabalhadores saibam o que fazer para reivindicarem os valores prometidos.

Precarizando ainda mais a situação, há a figura dos atravessadores: compradores das pedras que encostam seus caminhões e caminhonetas no acostamento da rodovia e, tanto adquirem o produto a preços extorsivos, quanto fornecem explosivos clandestinos e adquirido de forma ilegal (fabricação caseira ou produto extraviado de seus verdadeiros destinatários).

As extrações acontecem, ainda, sem as necessárias licenças ambientais e para extração mineral.

Essa mesma realidade se repete em vários municípios alagoanos. São mais de cem pontos clandestinos de extração mineral (pedreiras) mapeados pelos agentes do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM).

No MPT, diversos procedimentos investigatórios tramitam com esse mesmo objeto: trabalho degradante em pedrerias.


Uma luz no fim do túnel

Para buscar uma saída, uma força-tarefa comandada pelo Ministério Público do Trabalho realizou uma audiência pública, nesta sexta-feira (24), no povoado de Mata Verde. O objetivo foi ouvir trabalhadores de pedreiras e orientá-los para regularizar a atividade, de forma a melhorar as condições de trabalho e de vida das cerca de 300 famílias que sobrevivem da extração de pedras.

Mata Verde foi o primeiro local a ser visitado, por ser o caso mais antigo que chegou ao conhecimento do MPT. Também por se tratar de todo um povoado que nasceu em razão da extração mineral na região, onde não há outra atividade econômica a ser desenvolvida.

Participaram da audiência auditores fiscais do Ministério do Trabalho e Emprego em Alagoas, agentes do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), representantes do Serviço Nacional de Aprendizagem do Cooperativismo (Sescoop), do Serviço Nacional da Indústria (Senai), Instituto do Meio Ambiente (IMA), Exército do Brasil entre outras entidades envolvidas. Desde 2008 estes órgãos e entidades vem se reunindo periodicamente, estudando o caso e procurando uma solução viável. Além desses, também se agregam ao grupo o Sebrae, o Ibama, o MPF, a Petrobrás e Sindicato das Indústrias de Mármore e Granito, além de representantes das Secretarias Municipais de Saúde, Educação, Trabalho e Assistência Social dos municípios que possuem pedreiras clandestinas.

De acordo com o procurador-chefe do MPT, Rodrigo Alencar, a finalidade não é fechar pedreiras, mas buscar soluções viáveis para que esses trabalhadores saiam da informalidade e possam desenvolver a atividade de maneira segura. “Sugerimos a organização dos trabalhadores para que possam ter condições de agregar valor ao material extraído, o que resultaria em melhoria das condições em que vivem”, disse.

Alencar esclareceu aos trabalhadores que participaram da audiência pública que a partir da organização do trabalho, eles teriam condições de receber capacitação técnica, de buscar apoio de empresas e financiamentos, além de participar de concorrências públicas. “Com todo o processo de organização, os trabalhadores forneceriam o produto diretamente sem a interferência do atravessador”, completou. Se comprometeu, ainda, a desenvolver trabalho de sensibilização junto à Associação dos Municípios Alagoanos (AMA) e sindicatos patronais (de construção civil e de indústrias de mármore e granito do estado), bem como tomar o compromisso formal de cada um dos municípios alagoanos e das empresas da construção civil para que a partir de determinada data só adquiram produtos de pedreiras regulares.

Esses compromissos não são meros "acordos de cavalheiros". São feitos por meio de Termo de Compromisso de Ajustamento de Conduta, firmados perante o MPT. Deles constam prazo para adaptação e multa para o caso de descumprimento. São multas pesadas e que em caso comprovado de descumprimento o MPT ajuiza ação de execução, não sendo necessário mais discutir o mérito da questão, quem estaria com a razão. A ação é apenas para a cobrança da multa, sem a necessidade do tempo que se leva para esclarecer fatos e apresentar provas.

Os trabalhadores disseram que na região existem cerca de 25 pontos de extração de pedras, mas apenas três possuem características e porte de pedreira. Nos locais de menor capacidade atuam cerca de cindo pessoas. “Muitas vezes até o dono do próprio local também trabalha; e nas mesmas condições”, relataram, acrescentando que os principais compradores do material são as construtoras e os órgãos públicos e que a grande preocupação de quem trabalha na atividade de extração de pedras é “o calote dos administradores públicos”.


Propostas

A atividade de extração nas pedreiras, da forma artesanal como é feita, é insalubre e chega a ser desumana. Segundo o auditor fiscal do MTE, André Sarmento, a atividade é análoga a de escravo. Por isso, uma das saídas sugeridas pelo grupo para resolver a situação degradante em que se encontram muitos trabalhadores é viabilizar a formação de cooperativas nas comunidades onde existam pedreiras clandestinas.

O representante do Sescoop, Antônio Carlos, colocou-se à disposição para auxiliar os trabalhadores tanto na organização quanto na capacitação para o trabalho em cooperativa. A partir da formação da cooperativa, eles participarão de cursos no Senai na área técnica (beneficiamento do produto e mecanização da atividade) e de segurança no trabalho.

O cooperativismo foi visto pelo grupo de trabalho como a melhor forma de formalizar o grupo, justamente em razão de não existir um empregador formal, como esclarecido.

Por meio do Senac, aprenderão técnicas e requisitos para a comercialização. Pelo Sebrae, serão capacitados para tocar o negócio.

O Exército Brasileiro, órgão responsável pela autorização do trabalho com explosivo, também se dispôs a treinar e orientar os trabalhadores no manuseio do explosivo, que hoje tem fabricação caseira ou é de fonte clandestina.

Em rápidas palavras, os representantes do Exército promoveram esclarecimentos sobre os riscos de estocagem e manuseio de explosivos, o que podem ocasionar acidentes graves não somente por detonação, mas também desenvolver doenças em razão do contato a longo prazo, trazendo risco de vida não somente para os trabalhadores, mas também para seus familiares, uma vez que, via de regra, o explosivo adquirido é estocado em casa.

O grupo volta a se reunir no próximo dia 7 de agosto, às 14h, no salão onde funciona o Programa de erradicação Infantil (Peti) no povoado, já numa oficina de cooperativismo, para que os trabalhadores possam esclarecer suas dúvidas sobre esse sistema de trabalho.

Merece menção a postura do Prefeito de Maribondo e sua equipe, que compareceram pessoalmente e organizaram a reunião, proporcionando todas as condições necessárias para sua realização, disponibilizando local, alimentação para os presentes, bem como mobilizaram toda a população, que compareceu em massa (inclusive secretários de município, vereadores, representantes locais da Polícia Civil e Militar, representante da Associação Municipal dos Deficientes Físicos de Maribondo (Adefimar).

Também é de destacar a atuação da Polícia Rodoviária Federal, que nos acompanhou durante todo o evento, garantindo a segurança do comboio.

Já é começo de tarde e voltamos pra casa.

Deixei Bia com febre, mil recomendações, família acionada, cartão de plano de saúde e dinheiro trocado para a necessidade de uma ida rápida ao atedimento de emergência.

Celular sem sinal, pois as imensas montanhas rochosas isolam Mata Verde da tecnologia e do resto do mundo.

Mas estou bem. São dias como esse que me fazem ter fé na vida.

Foto 1 - descrição: ambiente da pedreira, com centenas de paralelepípedos forrando o chão. Sol escaldante. No centro da foto, uma coberta de palha, improvisada, onde dois trabalhadores descansam agachados.

Foto 2 - descrição: comboio dos 9 carros dos diversos órgãos e entidades, na estrada de barro, se dirigindo ao local da audiência.

Foto 3 - descrição: trabalhador Maurício. Mãos calejadas em mais de 20 anos de atividade nas pedreiras.

Foto 4 - descrição: perfil do trabalhador Marciano, acidentado em fevereiro/2008 que mostra várias cicatrizes no rosto e pescoço.

Foto 5 - descrição: trabalhador Marciano, acidentado em fevereiro/2008 que mostra enorme cicatrizes no pulso direito.

Foto 6 - descrição: trabalhadores, proprietários de terras e comunidade de Mata Verde, sentados, no prédio do Peti, durante a reunião.

Foto 7 - descrição: a equipe do MPT entrando no carro, para retornarmos. É uma caminhonete cabine dupla, branca, portas abertas. Meu chefe está no banco da frente, a Assessora de Comunicação e o Estagiários Alan Johnni já estão sentados no banco de trás. Eu estou em pé, na porta, cheia de processos nas mãos. Todos sorrindo para o motorista e fotógrafo amador João Batista.

Um comentário:

  1. sou indignado, e peço providencia aos orgãos competente de nosso pais e fiscalizar as irregularidades que existente en nossa região nas pedreiras clandestina que existente em todo vale do jequitinhonha, onde joves são explorados como escravos a troco de uma misgalha qualquer,

    ResponderExcluir

Related Posts with Thumbnails