terça-feira, 28 de abril de 2009

Violência contra idosos ainda é “invisível”

No Recife, a política social direcionada ao idoso não está sendo eficiente ou suficiente para garantir a ele um lugar de sujeito socialmente construído em que ocupe verdadeiramente um espaço, tenha vez e voz. É o que atesta a dissertação de mestrado “A construção social da violência contra os idosos”, de autoria da assistente social Marlene Maria Vieira Pereira, sob orientação da professora Maria de Fátima Santos, do Departamento de Psicologia da UFPE, e que foi desenvolvida no Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da Universidade e defendida em maio do ano passado.
A pesquisa discute a relação da violência com o status que os idosos ocupam na hierarquia social e a identificação do papel social do idoso, a partir de análises sobre os estereótipos da velhice, os estigmas de fragilidade, de dependência e de inutilidade e a desqualificação que é muitas vezes naturalizada, principalmente nos casos de violência contra este grupo. “Não se trata de um estudo sobre violência, nem tampouco sobre desqualificação social, mas da busca pela intersecção destas duas realidades teóricas, entender o espaço do velho em nossa sociedade e buscar o seu papel de sujeito”, esclarece Marlene Pereira. O estudo, segundo a autora, é fruto das reflexões acerca do fenômeno da invisibilidade com que se trata a violência contra o idoso em nossa sociedade.
Para compreender a construção e a internalização desta violência na sociedade, a autora utilizou, principalmente, o recurso da análise de depoimentos de casos resolvidos – a partir do qual pôde traçar um perfil das vítimas, dos agressores e das situações –, da literatura já disponível sobre o assunto e de dados quantitativos fornecidos pela Promotoria do Idoso. A 30ª Promotoria de Justiça de Cidadania da Capital, com atuação na Promoção e Defesa dos Direitos Humanos da Pessoa Idosa, mais conhecida como a Promotoria do Idoso, foi o espaço onde foram colhidos dados, a partir dos quais se traçou um perfil de casos atendidos. Embora tenha sido feita também a avaliação numérica, o foco da análise da pesquisadora estava nas falas dos idosos e de seus agressores em oito processos que já haviam sido concluídos – falas estas inseridas nas denúncias e nos depoimentos coletados pelos profissionais da Promotoria.
Foram considerados 140 atendimentos da Promotoria do Idoso em 2006. Dentre esses, 63% demonstravam violência contra mulheres. Idosos de 75 a 90 anos constituíram 46% dos casos, seguidos daqueles no intervalo de 60 a 74 anos, com 24%, e dos acima de 90 anos com 9% (21% dos registros não tiveram a idade identificada na denúncia). Quanto às denúncias, 38% eram de maus-tratos, 22% de apropriação de renda e bens do idoso, 21% de abandono, 6% de cárcere privado e 4% de deficiência de cuidados ou negligência (em 9% não houve causa definida). Do ponto de vista da procedência, os dados indicaram que, em 57% dos casos, as denúncias não procediam; em 9% elas foram classificadas como procedentes; 15% encontravam-se em análise; e, em 19% dos casos, o idoso em questão foi a óbito. Quanto à relação do agressor com a vítima, 8% das queixas são contra companheiro, 50% contra filhos e/ou netos, 14% contra demais familiares, 17% outras pessoas e, em 11% dos casos, o agressor não foi identificado. A renda dos denunciantes também foi classificada: 44% recebiam um salário mínimo, 18% de dois a quatro salários, 8% com rendimento superior a cinco salários mínimos e 2% encontravam-se na linha da pobreza, com menos de um salário (em 28% dos casos não houve identificação da renda).
PROCESSOS
Em relação à análise qualitativa documental dos processos, havia um caráter mais decifrador em relação ao fenômeno da violência contra o idoso e a como ela se forma socialmente. Os objetos de investigação foram oito processos que tratavam de casos comprovados de violência contra idosos que tiveram seu andamento e conclusão no ano de 2006. Estes são os casos resolvidos: as denúncias que receberam uma resposta, a qual foi avaliada e investigada. Na análise das falas coletadas para a pesquisa, a negação, o medo e a resistência presentes em alguns dos depoimentos tornaram evidente a relação dos idosos vítimas de violência não só com os espaços sociais e familiares, mas também com os costumes, os valores e a linguagem do mundo contemporâneo.
A autora explica que foi relevante analisar “os encontros entre gerações, seus hábitos no espaço heterogêneo da família, seu confronto com a racionalidade das práticas cotidianas de poder, a percepção dos seus direitos e da legislação que os protege, como também sua relação com a lógica que fundamenta a violência de que é vítima”. A pesquisadora ressalta que também foram encontrados idosos que tinham um modo mais positivo de se relacionar e lidar com a própria velhice. “Esses indivíduos desenvolvem atitudes e habilidades que lhes permitem defrontar e resistir à desqualificação da velhice, aos antigos costumes e estereótipos que lhes remetem ao silêncio, ao interior de suas casas, ao papel de avós recatadas”, descreve.
São esses idosos, as suas formas de lutar por melhores espaços em suas famílias e na sociedade e a sua vivência da velhice que, segundo a autora, conduzem à mudança de estereótipos e estilos normativos vigentes na sociedade atual.
Mais informaçõesPesquisadora Marlene Maria Vieira Pereira
Orientadora: professora Maria de Fátima Santos
Fonte: Catarina Falcão, da Ascom/UFPE

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