segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

2 de fevereiro: Dia de Combate à Intolerância Religiosa.



Júlio César Andrade*

Rita Mendonça**


2 de fevereiro: Dia de Combate à Intolerância Religiosa em Alagoas

Em dezembro de 2007 foi sancionada, pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a Lei nº 11.635, que oficializou a data 21 de janeiro como sendo o Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa, um marco no avanço da luta por uma verdadeira liberdade religiosa no Brasil.

Tomando como exemplo este feito, em Alagoas, berço de grande parte da história negra brasileira, o dia 02 de fevereiro passou a ser o Dia Estadual de Combate à Intolerância Religiosa, abrangendo para todo o Estado o que já era comemorado na capital, Maceió, como sendo o Dia Municipal de Intolerância Religiosa.

Também como o ocorrido na escolha do dia 21 de janeiro, o dia 02 de fevereiro, coincidentemente dia de Iemanjá, tem, para os alagoanos, um grande apelo histórico devido a um fato, ocorrido em 1912, que tinge de vermelho as mãos daqueles que exercem o poder através da força, em nosso Estado: o “Quebra de Xangô”.

Após 97 anos do "Dia do Quebra" ou “Quebra de Xangô”, Alagoas ainda tenta se redimir com aqueles que sofreram uma violência descomunal pelo fato de possuírem uma crença diferenciada da maioria da população da época, vitimados por uma política vil e ardilosa, apoiada por aqueles que nunca se deram ao trabalho de conhecer, antes de criticar e combater.

Uma crença que chegou com os negros trazidos à força de seus locais de origem, apartados de suas famílias, línguas e credos, e que em um momento da história do país, chegaram a ser dois terços da população brasileira. Mesmo sendo maioria, sua religiosidade teve que ser disfarçada, para não ser extinta. Porém, como quase tudo que se refere ao povo negro, esta também resistiu ao açoite, pois quem tem pureza na alma, a exemplo de Tia Marcelina, consegue sobrepujar as mais terríveis dificuldades, sabendo que a justiça, mesmo tardiamente, se fará presente.

Quase 100 anos ainda não foi suficiente para a sociedade alagoana aceitar e conviver harmoniosamente com as religiões de matrizes africanas. Mas a amabilidade, o sorriso no rosto e a ginga do corpo deste povo guerreiro não se apagarão jamais. E sua religiosidade tem um lugar garantido na história deste Estado: um lugar, evidentemente, feliz e perfumado. Xangô é Rei! Xangô é justiça!

Sacerdócios infelizes existem em todas as religiões. Estes devem banidos, pois não retratam a essência das religiões que seus líderes decidiram propagar. As palavras aqui escritas para as religiões de matrizes africanas alagoanas, devido ao dia 2 de fevereiro de 1912, devem ser estendidas para as outras religiões e às particularidades de suas histórias, afinal tratamos de combate à intolerância religiosa e não da defesa de uma determinada religião em detrimento das demais.

Uma das fontes inspiradoras para a elaboração deste artigo surgiu da leitura da seguinte matéria publicada no dia 2 de fevereiro de 2009, no Jornal Alagoano Primeira Edição:

Estado celebra oficialmente o combate ao preconceito religioso
O governo do Estado comemora, nesta segunda-feira, pela primeira vez em Alagoas, o Dia de Combate à Intolerância Religiosa, com a realização de um culto ecumênico nos jardins do Palácio República dos Palmares, às 12h. O evento contará com a presença de representantes das religiões católica, espírita, evangélica e de matriz africana.
Na ocasião, representantes de algumas das religiões com mais adeptos em Alagoas poderão pregar a importância do diálogo entre as religiões para a busca da paz entre os povos. O representante da Igreja Católica será o capelão católico da Polícia Militar (PM), padre Epitácio; representando os evangélicos, estará presente o capelão evangélico da PM, pastor Nogueira. E ainda Ricardo Santos, líder da comunidade Espírita; e a yalorixá Mãe Miriam, representando as religiões de Matriz Africana.
A data foi incluída no calendário civil do Estado para efeitos de comemoração oficial através de uma lei, assinada pelo governador Teotonio Vilela Filho, e publicada no Diário Oficial do último dia 19. O secretário Chefe do Gabinete Civil, Álvaro Machado, ressaltou a importância de priorizar o diálogo e as relações democráticas em qualquer situação. "Nosso Estado é laico, devemos cultivar a liberdade de crenças e a disseminação do bem na sociedade, a lei apenas confirma a postura do governo de estabelecer ações conciliadoras", concluiu.
Mobilização - A programação organizada nesta segunda-feira (2), pelo Núcleo de Cultura Afro Brasileira Iyá Ogun-té, federações e o movimento das casas de axé, em comemoração ao Dia de Combate à Intolerância Religiosa, tem o apoio da Secretaria da Mulher, da Cidadania e dos Direitos Humanos. A partir das 16h, a Federação Zeladora dos Cultos prestará homenagem aos Babalorixás e Yalorixás, no Instituto Histórico de Alagoas. As mães de santo Celina, Miriam e Dalva, e o pai Maciel terão seus nomes colocados em uma placa no local, onde já existem os nomes da Mãe Netinha e tia Marcelina.
De acordo com a gerente do Núcleo Afroquilombola da secretaria, Elis Lopes, além de a iniciativa lembrar a Quebra de Xangô, que aconteceu em Alagoas no dia 2 de fevereiro de 1912, com invasões, agressões, destruições de terreiros de Maceió e mortes, a homenagem visa enriquecer a coleção Perseverança, que existe no Instituto Histórico com os resquícios do Quebra de Xangô.
Às 17h, haverá o ato "Xangô Rezado Alto - Fomento a integração das casas de axé", na praça 13 de Maio, no Poço, onde já existe uma estátua de Mãe Preta no local. Velas serão acesas simbolizando pedido de paz e de intolerância religiosa. Em seguida, haverá um cortejo afrorreligioso pelas ruas de Maceió, contrapondo-se ao ocorrido em 2 de fevereiro de 1912.
A programação terá continuidade na praça Sinimbu, com ato religioso onde serão entregues flores em memória a todos que sofreram com o "Quebra de 1912", atividades culturais Afoxé Odô Iyá, Orquestra de Tambores, Omim Morewá, Maracatu Baque Alagoano e a solenidade oficial em alusão à data.
O culto pretende incentivar o diálogo democrático entre as religiões e combater as mais variadas e disfarçadas formas de preconceito.
Fonte:
http://www.primeiraedicao.com.br/?pag=alagoas&cod=7466


Outra fonte importantíssima, principalmente para aqueles que se preocupam com a seriedade de um texto submetido à avaliação de uma banca acadêmica, é a tese "Xangô rezado baixo: um estudo da perseguição aos terreiros de Alagoas em 1912", que deu o título de Doutor em Sociologia e Antropologia a Ulisses Rafael, pela UFRJ, e que é, sem dúvida, uma das maiores referências sobre o tema. O “Quebra de Xangô” e suas conseqüências para a formação da sociedade alagoana são abordados neste documento com a propriedade de quem pesquisou profunda e seriamente este trágico momento de nossa história. O link que dá acesso à tese, com quase trezentas páginas de valiosas informações, se encontra em pdf acessível:
http://www.ifcs.ufrj.br/~ppgsa/doutorado/Texto_completo_46.PRN.pdf

Segundo o autor, "Na Alagoas de 1912, verificar-se-ia um dos episódios mais violentos de que se tem notícia na história dos chamados cultos afro-brasileiros, no caso, a "operação xangô", como ficou também conhecido o quebra-quebra liderado por integrantes da Liga dos Republicanos Combatentes, associação civil de caráter miliciano, e que implicou na destruição das principais casas de culto da capital e de municípios circunvizinhos. O mote inicial da campanha, foram as suspeitas de que entre o Governador Euclides Malta e aquelas casas de culto existia um estreito relacionamento, de modo que depois da deposição daquele político, que já se mantinha no poder por quase doze anos, a ira da população se voltou contra os terreiros, que foram temporariamente calados, com seus representantes mortos, feridos ou obrigados a transferir suas atividades para outros Estados, dando razão para que na seqüência dessa destruição surgisse uma modalidade exclusiva de culto: o"xangô rezado baixo".

O Dia de Combate à Intolerância Religiosa em Alagoas é um grande passo para a aceitação da pluralidade de religiões aqui existente; mas que ele seja também o início de uma conscientização para a auto-afirmação dos negros alagoanos e de seus descendentes, bem como da visibilidade da cultura negra, de um modo geral, em um Estado historicamente lembrado pela resistência deste povo guerreiro.

p.s. Fortalecendo ainda mais o combate aos diversos tipos de discriminação, atualmente, em Alagoas, as denúncias de discriminação podem ser encaminhadas ao Fórum Alagoas Inclusiva, de combate à discriminação de grupos em desvantagem (pessoas com deficiência, afrodescendentes, mulheres, idosos, jovens no primeiro emprego, egressos do sistema prisional, não-heterossexuais, gestantes, obesos, índios, entre outros). O Fórum é uma reunião de órgãos e entidades que tem como compromisso o combate à discriminação em todas as suas formas, principalmente nas oportunidades de trabalho. Atualmente, a Coordenação do Fórum está sob a titularidade do Ministério Público do Trabalho, na pessoa da Procuradora do Trabalho Virgínia Ferreira. Denúncias pode ser feitas pelo telefone (82) 2123-7900 e pelo site do MPT (http://www.prt19.mpt.gov.br/) ou pelo site do Próprio Fórum Alagoas Inclusiva (http://www.alagoasinclusiva.org.br/).

Descrição da foto: quatro lindas mulheres com roupas africanas, adornadas com turbantes e colares. São todas líderes do Movimento Afroalagoano, e na ocasião conduziam cortejo pelas ruas do subúrbio de Maceió, na semana alagoana de Reflexão pelos 120 anos de abolição da escravatura. É noite.

* é Farmacêutico, Pesquisador, Servidor Público, Católico e batuqueiro do Maracatu Baque Alagoano.

** é Advogada, Consultora e Pesquisadora em Inclusão Social e Direitos Humanos, Servidora Pública, tem formação Católica mas não é praticante. Também batuqueira do Maracatu Baque Alagoano.

Fonte: http://www.umdireitoquerespeite.blogspot.com/ e http://www.maracatubaquealagoano.blogspot.com/

Descrição da foto: quatro lindas mulheres com roupas africanas, a ornadas com turbantes e colares. São todas líderes do Movimento Afroalagoano, e na ocasião conduziam cortejo pelas ruas do subúrbio de Maceió, na semana alagoana de Reflexão pelos 120 anos de abolição da escravatura. É noite.

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