sábado, 3 de novembro de 2007

De boas intenções o movimento inclusivo está cheio

Fábio Adiron*
Ando cansado. Não, não se trata de cansaço físico ou mental apesar de que tenho trabalhado bastante. Eu ando cansado da hipocrisia de uma gamabastante grande de pessoas que se dizem militantes dos movimentosinclusivos. Pessoas que gostam de aparecer nos jornais, nas revistas do setor, que mandam convites de palestras e de lançamentos de livros sobre o tema. Ando cansado de oba-oba sem prática diária de inclusão. Cansado de gente que fala, escreve e proclama suas falsas virtudes inclusivas, mas não consegue esconder nem por um segundo seus vícios discriminatórios.
Pela enésima vez, recebi hoje uma nota sobre um lançamento de livro. Tema atual e de interesse de todos, acessibilidade, desenho universal. Pela enésima vez perguntei a quem me mandava o convite : e daí ? o livro vai servendido em formato acessível ? Pela enésima vez recebi a mesma resposta (asvariações são mínimas) : ah...o autor tem consciência disso....mas sabe como são as editoras... eles vão ver o que podem fazer... O que podem fazer ?
Me parece bastante simples: que os autores deixem suas vaidades pessoais de lado e não publiquem livros sobre inclusão que não sejam inclusivos.
Conheço pessoas que não permitiram que sua obra caísse em contradição com seus princípios. É verdade, são poucas as pessoas que realmente conseguem se manter fiéis ao discurso que apregoam. Se ainformação é mais importante que a vaidade que distribuam seus escritos pela Internet, que autorizem as pessoas que não tem acesso à rede que façam cópias. Não culpem as editoras, essas nós já sabemos que têm outros interesses e não dão a menor bola para acessibilidade. Eu sei, eu sei, é mais fácil jogar aculpa nesses “capitalistas selvagens” do que assumir que compactuam com assuas práticas.
Mas não são só os livros. Estou cansado de receber convites para eventos sobre deficiência, educação e inclusão que me recuso a distribuir. Desde aqueles que me chegam em formatos inacessíveis (cheguei a receber um de uma entidade de cegos...ou seja, o evento sobre cegos não poderia ser divulgado para os...cegos) até aqueles que vem com ressalvas de que o local do evento tem problemas de acessibilidade física ou de comunicação.
Recentemente cancelei um evento que organizo, os Papos Inclusivos, porque o local onde seria realizado entrou em reforma justamente na entrada acessível que tinha. Foi uma dor de cabeça e um desgaste. Desconvidar o palestrante. Dizer para o dono do local que o tinha cedido gratuitamente que o espaço não servia mais. Fazer o quê ? Convidar as pessoas para um papo inclusivo que não permitiria que elas chegassem até ele ?Claro que existem muitos outros. Palestras sobre educação inclusiva onde só médicos e terapeutas fazem palestras (onde estão os educadores para falar sobre inclusão?). Seminários sobre deficiência que não têm nenhuma pessoa com deficiência para falar sobre o assunto.
As pessoas com deficiência. Os pais de pessoas com deficiência. As pessoas sérias que estão ligadas ao movimento. Todos estamos cansados de boas intenções, dessas, o inferno está cheio. Que por lá fiquem as intenções e seus donos.
*Fábio Adiron é moderador do Grupo Síndrome de Down no Yahoo Grupos e membro da Comissão Executiva do Fórum Permanente de Educação Inclusiva.
IMPORTANTE : esse texto não está sujeito a copyright e pode ser reproduzido livremente, citada a fonte, e está sendo distribuído em meio digital em formato acessível.

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