segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Conjugação do Ausente

Foram precisos mais dez anos e oito quilos
Muitas cãs e um princípio de abdômen
(Sem falar na Segunda Grande Guerra, na descoberta da penicilina e na desagregação do átomo)
Foram precisos dois filhos e sete casas
(Em lugares como São Paulo, Londres, Cascais, lpanema e Hollywood)
Foram precisos três livros de poesia e uma operação de apendicite
Algumas prevaricações e um exequatur
Fora preciso a aquisição de uma consciência política
E de incontáveis garrafas; fora preciso um desastre de avião
Foram precisas separações, tantas separações
Uma separação...
Tua graça caminha pela casa
Moves-te blindada em abstrações, como um T
Trazes a cabeça enterrada nos ombros
Qual escura Rosa sem haste.
És tão profundamente
Que irrelevas as coisas, mesmo do pensamento.
A cadeira é cadeira e o quadro é quadro
Porque te participam.
Fora, o jardim, modesto como tu, murcha em antúrios
A tua ausência.
As folhas te outonam, a grama te quer.
És vegetal, amiga...
Amiga! direi baixo o teu nome
Não ao rádio ou ao espelho,
Mas à porta, que te emoldura, fatigada,
E ao corredor que pára
Para te andar, adunca, inutilmente rápida.
Vazia a casa
Raios, no entanto, desse olhar sobejo
Oblíquos cristalizam tua ausência.
Vejo-te em cada prisma, refletindo
Diagonalmente a múltipla esperança
E te amo, te venero, te idolatro
Numa perplexidade de criança.
E no entanto avistava à poucos passos
Sua forma feminina
Que não era nenhuma outra forma feminina,
Mas a dela
A mulher amada.

Vinícius de Morais

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