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Conheçam mais da obra de Cristina Lopes:
Cotas Raciais: Por que sim?
Cristina Lopes
Pesquisadora do Ibase
Há cinco anos, a Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e a Universidade Estadual do Norte Fluminense (Uenf) se tornaram pioneiras na adoção de cotas raciais e sociais para o preenchimento de parte das vagas da graduação. De lá pra cá, muito se questionou: melhorar as escolas públicas não seria uma forma de corrigir as desigualdades no acesso à educação superior? Esse tipo de medida provoca queda na qualidade do ensino? Cria preconceito e discriminação racial?
A identidade nacional brasileira tem sido construída sob o mito da democracia racial. O que seria esse mito? A construção de uma idéia de nação onde todas as raças viveriam em harmonia, sem conflitos ou segregações, diferente do que ocorreu, por exemplo, nos Estados Unidos e na África do Sul.
A ausência de evidências mais óbvias desses conflitos leva a crer que a ascensão social de afrodescendentes não é limitada por barreira racial, fazendo com que as reivindicações de movimentos sociais e políticas públicas específicas pareçam absurdas.
Disparidades
No entanto, se analisarmos dados relativos à educação e saúde públicas, perceberemos que negros(as) têm atendimento diferenciado e pior. Por exemplo: nos atendimentos realizados pelo SUS, as mulheres negras (pretas e pardas) recebem menos anestesia no parto normal do que as brancas; estudantes negros(as) têm rendimento escolar inferior ao de alunos(as) brancos(as), não importando a renda familiar ou escolaridade de pais e mães, pois são afetados(as) por diversos mecanismos de discriminação racial na escola (desde as relações até o material didático e as práticas pedagógicas aplicadas). No mercado de trabalho não é diferente. Pessoas negras com a mesma escolaridade, desempenhando as mesmas funções, recebem menos do que colegas de trabalho brancos. Em outras palavras, esses exemplos são reflexos do que chamamos de racismo estrutural, presente nas percepções e ações cotidianas das pessoas e, conseqüentemente, nas instituições onde elas atuam.
A luta por educação de qualidade para a população afrodescendente já é antiga por parte de organizações do movimento negro e de outras entidades que atuam na luta anti-racista. As cotas raciais são uma modalidade de ação afirmativa que têm como objetivo minimizar os efeitos discriminatórios sobre um segmento específico da população. Devem ser percebidas como um direito, e não como algo que busca ajudar estudantes não-capacitados(as) a entrar nas universidades. Esse argumento caiu por terra após análises de diferentes universidades brasileiras terem constatado que o rendimento de cotistas, na maioria dos cursos, é igual ou melhor do que de alunos(as) não-cotistas.
Apesar de contrariar o rendimento inferior que possivelmente possuíam ensino fundamental e médio, no espaço da universidade um novo fator entra em campo: a resiliência educacional. Esse conceito, conhecido no campo da Educação, indica que alunos(as) que enfrentam situações adversas tendem a superar barreiras mais facilmente. Outro fator que precisa ser ressaltado é que estudantes têm que passar na primeira fase do concurso para, só na fase seguinte, concorrerem como cotistas. A melhoria do sistema público de ensino é fundamental, mas não podemos propor que, por mais 10 ou 15 anos, jovens negros(as) sejam prejudicados(as).
Os grandes meios de comunicação também têm sua parcela de responsabilidade, pois tratam a questão das cotas de forma parcial, mostrando, quase categoricamente, apenas motivos para sermos contrários(as) a elas. A divulgação de diferentes opiniões é o que garante uma difusão democrática e ética da informação. Podemos observar que muitos(as) jovens em debates sobre cotas raciais se opõem a tal política mais por repetição dos argumentos que ouvem e lêem na grande mídia do que por acreditarem, de fato, na ineficiência da política.
O racismo está presente em nossa sociedade e não podemos responsabilizar as cotas pelo surgimento ou estímulo de conflitos raciais. É possível que a maior presença de negros(as) em um determinado espaço provoque, por parte de quem discrimina, o racismo. Entretanto, cidadãos e cidadãs negros(as) não podem ser privados(as) de uma boa educação e de bons empregos porque sua presença provoca atos preconceituosos por parte de pessoas racistas.
As cotas têm um papel que vai além da promoção do ingresso de uma população específica à universidade. Elas suscitam o debate sobre a questão racial no Brasil. Questionam a diversidade nas instituições de ensino, fundamentais para a formação dos indivíduos. Fazem refletir sobre o passado escravocrata e suas heranças que geram grosseiras disparidades entre brancos(as) e negros(as) no país. Convidam a repensar antigos preconceitos e estereótipos, o que incomoda e torna a questão polêmica, mas não menos necessária.
Fonte: Portal Ibase (o Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas - Ibase foi criado em 1981. Entre os fundadores está o sociólogo Herbert de Souza, o Betinho).
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