segunda-feira, 11 de junho de 2007

A VIDA BATE
(Ferreira Gullar)

Não se trata do poema e sim do homem e sua vida
- a mentida, a ferida, a consentida vida já ganha
e já perdida e ganha outra vez.
Não se trata do poema e sim da fome de vida,
o sôfrego pulsar entre constelações e embrulhos,
entre engulhos.
Alguns viajam, vão a Nova York, a Santiago do Chile.
Outros ficam mesmo na Rua da Alfândega,
detrás de balcões e de guichês.

Todos te buscam, facho de vida, escuro e claro,
que é mais que a água na grama que o banho no mar,
que o beijo na boca, mais que a paixão na cama.
Todos te buscam e só alguns te acham.
Alguns te acham e te perdem.
Outros te acham e não te reconhecem
e há os que se perdem por te achar,
ó desatino ó verdade, ó fome de vida!
O amor é difícil mas pode luzir em qualquer ponto da cidade.
E estamos na cidade sob as nuvens e entre as águas azuis.
A cidade. Vista do alto ela é fabril e imaginária,
se entrega inteira como se estivesse pronta.
Vista do alto, com seus bairros e ruas e avenidas,
a cidade é o refúgio do homem, pertence a todos e a ninguém.
Mas vista de perto, revela o seu túrbido presente,
sua carnadura de pânico:
as pessoas que vão e vêm que entram e saem,
que passam sem rir, sem falar, entre apitos e gases.

Ah, o escuro sangue urbano movido a juros.
São pessoas que passam sem falar e estão cheias de vozes e ruínas .
És Antônio? És Francisco? És Mariana?
Onde escondeste o verde clarão dos dias?
Onde escondeste a vida que em teu olhar se apaga mal se acende?
E passamos carregados de flores sufocadas.
Mas, dentro, no coração, eu sei, a vida bate.
Subterraneamente, a vida bate.
Em Caracas, no Harlem, em Nova Delhi,
sob as penas da lei, em teu pulso, a vida bate.
E é essa clandestina esperança misturada ao sal do mar
que me sustenta esta tarde debruçado
à janela de meu quarto em Ipanema na América Latina.

2 comentários:

  1. Cara Estrela, fui atraída ao seu blog pelas excelentes aulas no site vem concursos e encontrei poesia porque "a arte existe para a verdade não nos destrua".

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  2. Obrigada pela visita. Quando tiver tempo, venha me visitar mais vezes.
    Um forte abraço.

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