sábado, 11 de novembro de 2006

Final Feliz! Salve, Mestre Verdelinho. Mas, e a cultura alagoanoa, que salva?


Descrição da Imagem: Mestre Verdelinho, com sua tradicional camisa verde de lantejolas, 
veste calça marrom, sapatos e chapéu marrom, e empunha seu violão. 
Ele se encontra em palco pouco iluminado, rodeado por vários microfones 
e tendo o seu filho pré-adolescente de seu lado esquerdo, ao fundo, 
vestindo camisa verde musgo e calça branca. 

 
Há, apenas, alguns dias do lançamento de seu primeiro cd, que ocorrerá em 25/11/2006, neste dia de finados, deu entrada na Unidade de Emergência o Mestre Verdelinho, expoente da cultura alagoana, vítima de AVC e, em seguida, vítima do sucateamento da saúde pública em Alagoas. Foi necessário acionar amigos e admiradores, para lhe garantir um atendimento minimamente decente, ainda que efetuado nos corredores da UE, numa maca sem colchão.

Não obstante o susto, felizmente, em 04/11/2006, o Mestre teve alta e foi para casa, onde se encontra aos cuidados dos que lhe amam e admiram. Aparentemente, não houve seqüelas irreversíveis. Porém, que se deixe claro: a alta não se de porque se encontrasse completamente restabelecido em sua saúde, mas porque a Unidade de Emergência, lamentavelmente, tem pressa em desocupar suas “macas sem colchão”, que se espalham pelos corredores. Afinal, um novo contribuinte chega a todo momento, e precisa lhe ver restituído, aos menos nos momentos de aflição, o que compulsoriamente investiu na máquina pública.

Esse é o ponto máximo a que pode chegar a criatividade dos profissionais que fazem a “linha de frente” da saúde pública em Alagoas, e que se sacrificam em labuta diária, em péssimas condições de trabalho, na busca de driblar as dificuldades que enfrentam, sem resposta razoável, por parte do Estado.

Para suas angústias, por serem obrigados a lidar de forma tão indiferente com vidas humanas, muita boa sorte, meus queridos, para que permaneçam “criativos”, e muito “sangue frio”, que é para conseguirem viver suas vidas pessoais sem muitas interferências, depois de jornada de trabalho tão insalubre emocionalmente.

Sem esquecer das angústias dos profissionais da saúde, o momento me faz lembrar que aos dons e vidas profissionais dos Mestres e seus seguidores, nossos artistas locais, esses que em geral trabalham "de graça, e por graça", vêm sendo conferido o mesmo tratamento precário, que o enfrentado no sistema de saúde pública pelos profissionais em geral e pela população em geral: descaso, assistência mínima (somente emergencial), e em péssimas condições.

O fato deve nos fazer, ao menos, refletir: assim como o Mestre, a Cultura Alagoana, essa "senhora de idade", também já requer cuidados e atenção. Já na agüenta emoções fortes. De forma imprevista, vez por outra, requer atendimento emergencial. E nessas ocasiões precisa ser tratada com respeito, o que não é favor algum – saliente-se. Mas observarmos que se oferece apenas o necessário para que ela se mantenha viva – e isso não se poderia negar, porque a ela muito se deve.

Não se oferecerem caminhos para o restabelecimento completo de sua “saúde”, ou seja, a sua consolidação e reconhecimento como afluente de recursos e investimentos em nosso Estado, o que consistiria, de forma transversa, em melhores condições de vida, mais emprego, mais decência.

Esse “atendimento emergencial”, mínimo, e em condições degradantes, prestado à Cultura, tem um outro objetivo, mais mesquinho ainda: “educá-la” a só pedir socorro ao Estado se nenhuma outra opção tiver.

Não temos muitas indústrias, não temos comércio de proporções animadoras. Só nos restam as belezas naturais, que Deus nos deu (e que nós sequer somos ensinados da importância de conservar), a alegria e a criatividade de nosso povo. E essas duas últimas características são muito bem representadas pelas diversas safras de artistas locais, com seus talentos e, sobretudo, sua garra.

Nossos artistas, esses insistentes que não desistem nem quando "acreditar no sonho" significa colocar em risco a sua própria sobrevivência e a de suas famílias, como ocorreu com o Mestre, não são vistos com “bons olhos” pela sociedade.

Vemos os sorrisos dessa boa gente, em festas e apresentações. Eles nos alegram, tocam nossos corações, embalam nossas paixões e tornam mais especiais as nossas noitadas, e os dias que lhe seguem em recordações.

Mas não nos questionamos em como passam os outros dias da semana, aqueles em que não se encontram em nosso campo de visão, em que não nos brindam com beleza e emoção. Para onde eles vão?

"Depois da festa", retirado o pó de arroz e a casaca colorida, como vivem os nossos "iluminados", os que trazem sorrisos e poesia aos nossos dias tão sem relevo?

Dedicam-se a compor e produzir, a bem de nossa cultura e para nos trazer mais alegria, ou são obrigados a se desdobrarem em duas, três jornadas de trabalho, para garantir suas sobrevivências e criar decentemente seus filhos, relegando os dons e os sonhos aos poucos momentos de folga, ou mesmo as horas que deveriam dedicar ao seu descanso? Será que é por isso que, em geral, morrem cedo? E depois a imprensa sensacionalista ainda nos vem com aquela estória de “overdose”! Lembrem-se, senhores: desprezo também entristece e mata antes da hora.

No dia seguinte aos momentos de inspiração ou de palco, ponto batido com atraso, cara inchada, olheiras, baixa concentração, mau humor (perdoe-os. É que o montante dos cachês muda, sem aviso prévio, ao baixar das cortinas. E aí não tem quem não fique aborrecido). Quem os vê nesses momentos, vai achar que lhes cair bem a fama de "vagabundo e irresponsável". Os “patrões” acham. Mas como conseguir conciliar duas profissões tão eqüidistantes, uma que lhe ocupa a dia, outra que lhe ocupa a noite!?

Sim, nossos artistas estão confinados em lojas, escritórios e órgãos públicos. E esses são considerados os "sortudos". Têm os que tiveram menos oportunidades e têm de se agarrar aos subempregos, bicos ou favores – que Deus os proteja!

O que se fazer para garantir condições dignas de sobrevivência e uma velhice respeitosa, a quem abraçou o caminho da arte como profissão?

O Mestre Verdelinho é um homem franzino, mas forte e robusto em suas convicções. Não foi dessa vez que ele desistiu da vida. Ainda há muito por fazer e ele não parece ser daquelas pessoas que descansam antes do serviço terminado.

Mas gente cansa... cansa de sofrer, cansa de tentar, cansa de ver a porta fechada e o caminho estreitando, cansa de injustiça, cansa de traição, cansa de gente e de vida... cansa, sim!

Salvemos nossos expoentes culturais, salvemos nossos artistas locais, aqueles que, juntos, compõem braços e pernas, boca e mãos, olhos e coração da “Dona Cultura Alagoana”. Salvemos, antes que eles se cansem e desistam de nos prestigiar as vaidades e nos alegrar as almas.

“E, Pátria amada, tu que és uma mãe gentil, nos ajude na missão: salve, salve e idolatre o que resta desse nosso povo heróico e que desafia a própria morte, pra que eles não fujam da luta. Aos seus filhos artistas (à Cultura Alagoana, portanto), paz no futuro, glória no passado e, por hora, ao menos dignidade e justiça, que já estaria de bom tamanho”.

Foto de minha autoria (Outubro/2006)


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