terça-feira, 14 de novembro de 2006

Monografia: Da possibilidade de Inserção das Pessoas com Deficiência nos Quadros das Empresas de Vigilância Patrimonial e de Transporte de Valores.


Descrição da Imagem: colagem de fotos colorida de diversas pessoas em situação de trabalho. 
A central, e que chama mais atenção, é de um rapaz negro que digita em um teclado,
tendo um dos braços aputados na altura do bíceps.


Monografia de minha autoria, que compartilho com vocês. Meu primeiro trabalho sobre inclusão social de pessoas com deficiência, resultado de meus primeiros anos de estudo.

 
DA POSSIBILIDADE DE INSERÇÃO DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA NOS QUADROS DAS EMPRESAS DE VIGILÂNCIA PATRIMONIAL E DE TRANSPORTE DE VALORES

1.0. INTRODUÇÃO

“Nas seções das indústrias há postos para todos, e se a indústria estiver devidamente organizada, haverá nela mais lugares para cegos, do que cegos para lugares. O mesmo se pode dizer em relação aos outros deficientes físicos (...) se o trabalho fosse convenientemente dividido, não faltaria lugar onde homens fisicamente incapacitados pudessem desempenhar perfeitamente um serviço e receber, por conseguinte, um salário completo. Economicamente, fazer dos fisicamente incapacitados um peso para a humanidade é o maior despautério, como também ensiná-los a fazer cestos ou qualquer outro mister pouco rendoso, com o fim de preveni-los contra o desânimo”(texto de Henry Ford, de 1925, transcrito por Tereza Costa d’Amaral em publicação no jornal o Globo, 03/09/99).

Há muito remonta a preocupação social com a “suposta invalidez” das pessoas com deficiência, bem como com a possibilidade de seu auto-sustento. Lenta, pausada e repleta de interpelações vem sendo a sua efetiva inserção no mercado de trabalho. Mas não por falta de normas, visto que o Brasil – onde segundo a ONU, 10% (dez por cento) da população é portadora de algum tipo de deficiência – é o país detentor da legislação mais completa da Íbero-América, na área de apoio às essas pessoas especiais.

Nossa legislação, como não poderia deixar de ser, inclina-se no sentido de preparar as pessoas com deficiência para o mercado de trabalho, almejando permitir sua inclusão no grupo das pessoas economicamente ativas. Em nossa Constituição, destacam-se dispositivos cujo sentido é garantir as mesmas o direito a um convívio social equilibrado, o direito social ao trabalho, bem como proibição de qualquer tipo de discriminação, ainda que no tocante a salários e critérios de admissão. Diversas leis esparsas também dispõem a respeito dos seus direitos, inclusive disciplinando sua inserção no mercado laboral e punido com rigor o preconceito por motivos derivados de suas deficiências.

Bem antes do desemprego proveniente das crises econômicas, o direito ao trabalho já era negado à grande maioria das pessoas com deficiência, por preconceito, ignorância ou discriminação. É de se evidenciar que essa exclusão se principia já nas instituições de ensino, que em nosso país, com raríssimas exceções, mantêm suas portas fechadas para pessoas com deficiência, não de forma direta, mas à medida em que não permitem nem incentivam a criação de ambiente e métodos de ensino que favoreçam sua presença e permitam sua conseqüente participação no meio educacional. Daí uma das maiores dificuldades para sua inserção no mercado de trabalho: a baixa ou nenhuma qualificação profissional. Em virtude disso, é elevado o número de pessoas com deficiência que busca uma oportunidade de trabalho para sua própria manutenção e de seus familiares, sem que se lhes abram as portas do mercado de trabalho.

Procurando auto-afirmação e aceitação social, muitas vezes as pessoas com deficiência contentam-se com postos de trabalho aquém de suas capacidades físicas, intelectuais e formação profissional, somente para se sentirem produtivas, úteis, independentes e inseridas no convício social. Nega-se emprego a muitas pessoas portadoras de deficiência, ou somente se dá a elas empregos subalternos e mal remunerados. E isso ainda acontece, embora já se tenha demonstrado que, com um trabalho adequado de valorização, treinamento e colocação, a maior parte das PPD’s pode realizar uma ampla gama de tarefas de acordo com as normas em vigor. Em períodos de desemprego e de crise econômica, as PPD’s costumam ser as primeiras a serem despedidas e as últimas a serem contratadas. Em alguns países industrializados que sentem os efeitos da recessão econômica, a taxa de desemprego entre as PPD’s que procuram trabalho é o dobro da taxa que ocorre entre os não deficientes. (NASCIMENTO: 1992, p. 15).

Em diversos países, vários programas foram implantados diversas medidas adotadas visando a criação de empregos para as pessoas com deficiência. Entre essas medidas estão: oficinas protegidas de produção, oficinas terapêuticas, contratação preferencial ou seletiva, sistema de quotas, subvenções aos empregadores que oferecem formação profissional e em seguida contratam trabalhadores com deficiência, sociedades cooperativas regulares para a promoção do trabalho autônomo dessas pessoas etc. No entanto, o número real de trabalhadores com deficiência efetivamente empregados está muito aquém daquele correspondente ao número das que são efetivamente capazes de trabalhar. É necessário que seja dada oportunidade para que essas pessoas possam participar da construção da sociedade, em vez de se eternizarem como beneficiários de políticas assistencialistas e da Previdência Social, o que lhes ofende a dignidade, arremessando fora suas forças de trabalho, tão sólidas e produtivas quanto as de qualquer outra pessoa.

Ressalte-se que, através de uma aplicação mais ampla dos princípios ergonômicos, é possível a adaptação, a um custo reduzido, das ferramentas, do maquinário, do material e do próprio local de trabalho, aumentando as oportunidades de emprego para as pessoas com deficiência. Em outros casos, sequer isso é necessário, eis que essas pessoas se superam e desenvolvem formas diferenciadas de exercerem suas funções, sem necessidade alguma de modificação do posto de trabalho e sem que haja constatação de queda na produção.

A situação das pessoas com deficiência, quanto à falta de oportunidades de trabalho, torna-se ainda mais grave quando associada à pobreza. É que nessas classes sociais menos favorecidas, onde praticamente não existem pessoas qualificadas para o mercado de trabalho, se vêem forçadas à mendicância ou à inatividade, eis que como mão-de-obra barata e desqualificada, sempre acabam preteridas em benefício das pessoas consideradas “normais”.

Com freqüência, são excluídas de uma vida social e cultural. É comum que não lhe seja concedido o direito a travar relações sociais normais, causando-lhe, por vezes, sérios problemas psicológicos e abalando sua auto-estima. A grande maioria delas se vê privada das experiências normais ao desenvolvimento humano, como o casamento, o exercício da sexualidade e da individualidade, a paternidade e as atividades de lazer, sem que haja razão plausível para isso.

Demais disso, muitas pessoas com deficiência são friamente eliminadas da possibilidade de uma participação ativa na sociedade, em razão de obstáculos materiais que já deviam ter sido eliminados[1], pois nada justifica a existência de portas estreitas, que não permitem a passagem de uma cadeira de rodas; batentes, escadas e desníveis de cômodos, que tornam sem acesso edifícios, salas e veículos de transporte coletivo; telefones, interruptores, comandos de luz e alarmas inacessíveis; instalações sanitárias sem suportes e amparos que permitam a utilização sem ajuda de terceiros etc.

Esses trabalhadores também se vêem excluídos por outros tipos de barreiras, como as da comunicação, quando não se leva em conta, por exemplo, as necessidades das pessoas com deficiência auditiva, ou na informação escrita, quando ignoramos as necessidades das pessoas com deficiência visual. Estas barreiras são o resultado da ignorância e da indiferença social. E muitas delas poderiam ser evitadas mediante um planejamento de inclusão cuidadoso, trabalho educativo e de sensibilização da sociedade.

Em muitos países, inclusive no Brasil, já existem leis especiais e campanhas educativas que objetivam a eliminação de tais obstáculos. Mesmo assim, o problema da inclusão social da pessoa com deficiência, continua a ser crucial.

Parece que não se atentam para que em razão de inúmeros fatores e riscos, qualquer pessoa pode vir a se tornar deficiente, e conseqüentemente ser vítima dessa odiosa conduta de exclusão. O fato de nascer saudável e “perfeito” não garante indefinidamente essa condição. Quem não se propõe a vencer seus preconceitos por outros motivos, em razão de não ser possível prever o que acontecerá no dia de amanhã, deveria fazê-lo ao menos por prudência.

2.0. OS DADOS ESTATÍSTICOS, AS CAUSAS DO CRESCENTE NÚMERO DE PESSOAS COM DEFICIÊNCIA E ALGUNS MOTIVOS PARA A EXISTÊNCIA DA DISCRIMINAÇÃO

No mundo moderno, há um número expressivo de pessoas com deficiência. Segundo Nascimento (1992), a cifra estimada é de 500 milhões em todo o mundo, o que se vê confirmado pelos resultados de pesquisas referentes a diversos segmentos da população e pela observação de peritos. Na maioria dos países, pelo menos uma em cada dez pessoas tem alguma deficiência física, mental, sensorial ou múltipla, e a presença dessa deficiência repercute de forma negativa em pelo menos 25% de toda a população. Estima-se que no mínimo 350 milhões dessas pessoas vivam em zonas que não dispõem dos serviços necessários para ajudá-las a superar as suas limitações. No Brasil, o Censo 2000 assentou que 14,5% da população possui algum tipo de deficiência, o que corresponde a 24,5 milhões de pessoas (mais precisamente, 24.537.984). Dessas, 15,14 milhões têm idade e condições de integrar o mercado formal de trabalho. Esses dados também foram divulgados na carta de propostas para o Governo Lula, documento elaborado pela Setorial Nacional de Petistas Portadores de Deficiência, encaminhado ao atual Presidente da República em 20/03/2003.

Existe um ciclo vicioso entre a deficiência, a pobreza e a marginalização. Em razão disso, inevitavelmente, nas últimas décadas cresceu a marginalização das pessoas com deficiência, o que se pode atribuir a diversos fatores, entre os quais figuram: a) as guerras e suas conseqüências e outras formas de violência e destruição: a fome, a pobreza, as epidemias e os grandes movimentos migratórios; b) a elevada proporção de famílias carentes e com muitos filhos, as habitações superpovoadas e insalubres, a falta de condições de higiene; c) as populações com elevada porcentagem de analfabetismo e falta de informação em matéria de serviços sociais, bem como de medidas sanitárias e educacionais; d) a falta de conhecimentos exatos sobre a deficiência, suas causas, prevenção e tratamento; isso inclui a estigmatização, a discriminação e idéias errôneas sobre a deficiência; e) programas inadequados de assistência e serviços de atendimento básico de saúde; f) obstáculos, como a falta de recursos, as distâncias geográficas e as barreiras sociais, que impedem que muitos interessados se beneficiem dos serviços disponíveis; g) a canalização de recursos para serviços altamente especializados, que são irrelevantes para as necessidades da maioria das pessoas que necessitam desse tipo de ajuda; h) falta absoluta, ou situação precária, da infraestrutura de serviços ligados à assistência social, saneamento, educação, formação e colocação profissionais; i) o baixo nível de prioridade concedido, no contexto do desenvolvimento social e econômico, às atividades relacionadas com a igualdade de oportunidades, a prevenção de deficiências e a sua reabilitação; j) os acidentes na indústria, na agricultura e no trânsito; k) os terremotos e outras catástrofes naturais; l) a poluição do meio ambiente; m) o estado de tensão e outros problemas psico-sociais decorrentes da passagem de uma sociedade tradicional para uma sociedade moderna; n) o uso indevido de medicamentos, o emprego indevido de certas substâncias terapêuticas e o uso ilícito de drogas e estimulantes; o) o tratamento incorreto dos feridos em momentos de catástrofe, o que pode ser causa de deficiências evitáveis; p) a urbanização, o crescimento demográfico e outros fatores indiretos (NASCIMENTO: 1992, pp. 10-11); u) deficiências provenientes de moléstia que atingem as pessoas idosas (artrite, AVC, patologias cardíacas e diminuição severa da acuidade auditiva e visual etc.); v) recessão e desemprego, gerando medidas econômicas de redução de quadro de empregados, cujas jornadas excessivas e sobrecarga de trabalho aceleram o desgaste físico e mental, muitas vezes fazendo aflorar doenças pré-existentes, promovendo também a fadiga e favorecendo o aumento do número de acidentes de trabalho; x) não adoção de sistemas coletivos de proteção do trabalhador, não fornecimento, por parte do empregador, e ausência de consciência para a utilização, por parte do empregado, de equipamentos de proteção individual e de meio ambiente de trabalho adequado às atividades laborais; z) não utilização de equipamentos de segurança, mesmo nas atividades domésticas e de lazer (cintos de segurança em automóvel; luvas, aventais, chapéus ou outros instrumentos adequados ao bom desempenho das tarefas domésticas, jardinagem, atividades artísticas, equipamentos necessários à prática desportiva, mesmo esporádica etc).

A conscientização quanto à necessidade de adoção de medidas tendentes a eliminar esses fatores vem aumentando de forma significativa. Igualmente, vem crescendo o número de campanhas de sensibilização e educação do público, a fim de promover uma modificação de atitudes e de comportamento. Apesar de tudo isso, essas pessoas estão longe de uma integração satisfatória na sociedade.


3.0. ESCORÇO HISTÓRICO DA LEGISLAÇÃO CORRELATA E OS TRABALHOS DE INSERÇÃO DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA NO MERCADO DE TRABALHO

A Carta das Nações Unidas prioriza reverencia a paz, reafirma a fé nos direitos humanos e às liberdades fundamentais, à dignidade e ao valor da pessoa humana e à promoção da justiça social. A Declaração Universal dos Direitos Humanos respeita o direito ao casamento, à propriedade, à igualdade de acesso aos serviços públicos, à seguridade social e à realização dos serviços econômicos, sociais e culturais.

O ano de 1981 foi proclamado pelas Nações Unidas como o “Ano Internacional das Pessoas Deficientes”. Destaquemos as Resoluções n.ºs 37/52 e 37/53 da Assembléia Geral da ONU, reunida em 3 de dezembro de 1982, cujos propósitos foram os de promover, respectivamente, o programa de Ação Mundial para Pessoas com Deficiência e a proclamação da Década das Nações Unidas para as Pessoas com Deficiência. No Brasil, no mencionado período, muito se avançou quanto à inclusão social das pessoas com deficiência. A década da ONU para as pessoas com deficiência oficialmente acabou. Mas a tarefa de realizar tudo o que ainda está por ser feito continuará por muito mais tempo e dependerá da união de esforços, do desprendimento e do idealismo de todas as pessoas envolvidas com esta causa.

De acordo com dados divulgados pela OIT – Organização Internacional do Trabalho – em seu Repertório de recomendações práticas sobre a gestão das questões relativas à deficiência no local de trabalho, o desemprego entre as pessoas com deficiência com idade para trabalhar é extremamente maior do que para as pessoas ditas “normais”, podendo chegar a 80% em alguns países em desenvolvimento. Sensível a essa problemática, o Brasil, como no resto do mundo, ante o crescente desemprego, com conseqüências mais graves ainda, quando se trata de pessoas com deficiência, cuidou, por meio de lei, de estabelecer “reserva de mercado” em benefício dessas pessoas, consignando, de modo inarredável, no art. 93, da Lei n.º 8.213/91 (Plano de Benefícios da Previdência Social) a seguinte determinação:

Art. 93 - A empresa com 100 (cem) ou mais empregados está obrigada a preencher de 2% (dois por cento) a 5% (cinco por cento) de seus cargos com beneficiários reabilitados ou pessoas portadoras de deficiência habilitadas na seguinte proporção:
I - até 200 empregados 2%;
II - de 201 a 500 empregados 3%;
III - de 501 a 1000 empregados 4%;
IV - de 1001 em diante 5%.

Tal dispositivo, reafirmou as pessoas com deficiência física, mental, sensorial ou múltipla, habilitadas e aptas para o trabalho, o já garantido pela ordem jurídica para qualquer cidadão - o direito social ao trabalho (art. 6º, CF/88). Infelizmente, o preceito permaneceu no desuso e somente a partir de 1999, passou-se a perceber movimentações no sentido de lhe dar efetividade. É que só ao final de 1999, a questão da inserção da pessoa com deficiência ficou mais esclarecida, com a edição do Decreto n.º 3.298, de 20/12/99, o qual dedicou sua Seção IV para tratar justamente do seu acesso ao mercado de trabalho. Em seu art. 36, o mencionado decreto, além de reiterar o contido na Lei n.º 8.213/91, disciplinou a questão em seus pormenores, o que repercutiu consideravelmente nos números de pessoas com deficiência insertas no mercado de trabalho, a partir daquele ano.

Não se pode negar que esse foi um novo marco nos trabalhos de inclusão das pessoas com deficiência e, com isso, fora transposta a primeira e mais sólida barreira da discriminação. E, muito embora a inserção fosse resultado de obrigatoriedade legal, o contato permanente com essas pessoas, além de favorecer a quebra de preconceitos, tornou evidente que, como em qualquer outra parcela da sociedade, havia pessoas com deficiência dos mais diversos temperamentos, capacidades e talentos, ou seja, o estigma da incapacidade e ineficiência forçadamente aderido somente a essas pessoas era irreal.

De acordo com os dados divulgados na anteriormente mencionada carta de propostas para o Governo, segundo a RAIS – Relatório Anual de Informações Sociais – no Brasil, existem 31.979 estabelecimentos com mais de cem empregados. Se todos respeitassem a reserva legal, seriam gerados 559.511 postos de trabalho a serem garantidos às pessoas com deficiência. No entanto, o número seria suficiente para empregar apenas 3,7% das 15,14 milhões em idade adequada e com condições para o trabalho. A inserção da pessoa com deficiência no mercado de trabalho é conseqüência natural da superação do preconceito, devendo ser efetuada de forma natural, e não somente até que se atinja determinado percentual mínimo previsto em lei, que conforme demonstrado, mesmo assim, não atenderá a todo o universo das que se encontram aptas ao trabalho.

Por volta do ano 2000, subsidiadas pelo Programa Brasil Gênero e Raça, do Ministério do Trabalho, diversas unidades da federação criaram núcleos de trabalho, compostos dos mais diversos órgãos e entidades comprometidas com a inserção das pessoas com deficiência no mercado laboral (Ministério Público do Trabalho, Ministério Público Estadual, Ministério do Trabalho e Emprego, Instituto Nacional da Seguridade Social, Secretarias Estadual e Municipal de Assistência Social, de Educação e da Saúde, SINE, entidades do sistema “S” (SENAI, SENAC, SENAT etc.), associações representativas das pessoas com deficiência, sociedade civil organizada etc.).

Nesse particular, é de se salientar a atuação do Ministério Público do Trabalho, que por meio de sua Coordenadoria de Defesa dos Direitos Sociais Indisponíveis Decorrentes da Relação de Trabalho – CODIN, tanto na fiscalização do cumprimento da reserva legal, quanto nos trabalhos de sensibilização do empresariado, para a relevância da contratação das pessoas com deficiência. Recentemente, inclusive, foi criada, dentro de sua estrutura, uma Coordenadoria Nacional de Promoção da Igualdade de Oportunidades e Eliminação da Discriminação no Trabalho – COORDIGUALDADE, mais precisamente em 08/11/2002, como desdobramento natural dos trabalhos de combate à discriminação a esta e a outras minorias. Sob sua regência, em todos os Estados, foram convocadas empresas com mais de cem empregados, para comprovar o cumprimento da reserva legal. Na grande maioria dos casos, a questão foi solucionada amigavelmente no âmbito administrativo do Órgão, através de subscrição de Termo de Compromisso de Ajustamento de Conduta. Entretanto, infelizmente, ocorreram casos em que os empreendimentos se negaram a conciliar, razão pela qual se fez necessário o ajuizamento de ações civis públicas.

No Estado de Alagoas, segundo o banco de dados da CODIN- PRT 19ª Região, das 104 empresas convocadas até 2002 para comprovar sua adequação à Lei, dos quais 86 estão sediados em Maceió, 13 em Arapiraca, 3 em Palmeira dos Índios, 1 em Olho D’Água das Flores e 1 em Lagoa da Canoa, apenas 4 se negaram ou se omitiram a solução amigável (uma usina, uma indústria, uma prestadora de serviços públicos e uma empresa de vigilância patrimonial e transporte de valores) tendo sido ajuizadas as necessárias ações. Em todos esses casos, não obstante o ajuizamento de ação, a questão foi solucionada de forma satisfatória, por meio de acordo judicial. Apenas no caso da prestadora de serviços públicos, até por ter sido a primeira empresa em alagoas instada ao cumprimento da lei, houve uma maior resistência e necessidade do posicionamento do Judiciário Trabalhista, sendo o mesmo favorável em primeira instância e, em caráter liminar, determinou o cumprimento da reserva legal.

Com o progresso dos trabalhos de inserção, acreditava-se que a crença de que pessoa com deficiência não poderia compor o sistema capitalista de produção estava superado, posto que crescentes e consideráveis os percentuais dessas pessoas compondo os quadros de empresas, nos mais diversos ramos da economia e ocupando as mais diversas funções. No entanto, não menos espessas foram as barreiras seguintes, interpostas pelos que ainda não estavam convencidos de que a deficiência que em geral compromete a aparência dessas pessoas, também não lhes acomete a capacidade, competência, inteligência ou criatividade. Constatou-se, na prática, que como forma silenciosa de discriminar, os empreendimentos passaram a exigir das pessoas com deficiência escolaridade superior a prescrita para a pessoa “normal” que concorresse ao mesmo cargo, como se tivessem obrigação de demonstrar aptidões e atributos superiores, para somente assim verem afastadas de si a pecha de incapazes e então serem contratadas, não obstante o disposto no art. 7º da Constituição Federal, inciso XXXI, de proibição de qualquer discriminação no tocante a salário e critérios de admissão do trabalhador portador de deficiência. Das pessoas com deficiência apenas deveríamos esperar a atuação profissional compatível com qualquer pessoa adulta e apta ao trabalho. No entanto, dela tendemos a cobrar mais do que a qualquer outra pessoa, obrigando-lhes a todo instante demonstrar que são melhores e mais produtivas do que as ditas normais, como se só assim – mediante promessa de maiores possibilidades de ganho – fôssemos capazes de permitir-lhes aproximação, abandonando nossos preconceitos. Barreiras dessa condição são construídas ou reforçadas diuturnamente. A vivência e a experiência pessoal proporcionada pela inserção das pessoas com deficiência nos quadros das empresas, ainda que não na velocidade que desejamos, vem lançando por terra essas barreiras, no processo de valorização dessas pessoas e humanização da sociedade.

4.0. DA INEXISTÊNCIA DE ÓBICE PARA INSERÇÃO DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA NAS EMPRESAS DE VIGILÂNCIA PATRIMONIAL E TRANSPORTE DE VALORES

Não obstante o trabalho maciço de alocação das pessoas com deficiência no mercado de trabalho já ocorrer há alguns anos, as empresas ainda vêem tal inserção como um encargo que deveria ser suportado diretamente pela Previdência Social. O fato de ignorar o art. 93, da Lei n.º 8.213/91, negando-lhe vigência por mais de oito anos, já se constitui em comprovado preconceito. Ressalte-se que quando falamos de inserção de pessoas com deficiência no mercado laboral, não estamos nos referindo a pessoas inválidas, mas sim a trabalhadores habilitados, aptos e plenamente capazes, apesar de suas prováveis necessidades de adaptação do acesso ou do próprio posto de trabalho.

Como qualquer pessoa dita “normal”, a pessoa com deficiência goza de boa saúde, apenas diferindo dos demais por necessitar, em alguns casos, de condições especiais para o acesso ao local de trabalho ou para o próprio exercício de sua profissão, como mencionado. As pessoas com deficiência que são consideradas inválidas ou as que se encontram momentaneamente doentes, essas sim, ficam a cargo do INSS que lhes deverá conceder o benefício adequado. Afinal, não podemos ignorar que o objetivo principal da iniciativa privada é o lucro. E a alocação de pessoas com deficiência efetuada em obediência ao mencionado dispositivo legal não pretende transferir a responsabilidade Estatal para o setor econômico. O combate efetuado contra comportamentos preconceituosos é incessante. Como em toda relação social, posteriormente se esbarrou em consecutivos óbices de difícil transposição no trabalho de inserção.

O atual obstáculo com que vem se deparando os operadores do Direito do Trabalho, gerador de polêmica e divergência entre os estudiosos, é a inserção das pessoas com deficiência nos quadros das empresas de vigilância patrimonial e transporte de valores, cujos profissionais são regidos por lei federal (Lei n.º 7.102/83, regulamentada pelo Decreto n.º 89.056/83) a qual, entre outros requisitos, exige de seus aspirantes não somente a submissão e aprovação em prévio curso de formação, mas a habilitação em exames de saúde físico, mental e psicotécnico. Com isso, entendem alguns que as mencionadas empresas estariam isentas do cumprimento da reserva legal, por completa impossibilidade material e jurídica, ao argumento de que lei exige dos integrantes da carreira “aptidão plena”, requisito de preenchimento impossível por parte das pessoas com deficiência.

O ponto nodal da questão reside na seguinte indagação: por se tratar de profissão regida por lei que exige do profissional aptidão física e mental, estariam as empresas de vigilância patrimonial e transporte de valores isentas do cumprimento da reserva legal em favor das pessoas com deficiência? Entendemos que não.

Inicialmente, é de se deixar bem claro que aqui não se discute a inclusão nas empresas de vigilância e monitoramento eletrônico, cujas funções podem ser facilmente ocupadas pelas pessoas com deficiência[2]. Mas da vigilância armada, atividade empresarial normatizada e fiscalizada pelo Ministério da Justiça, por meio do Departamento de Polícia Federal.

Evidencia-se que o art. 93 da Lei n.º 8.213/91, e também o contido no art. 36, do Decreto n.º 3.298/99 não fazem qualquer exceção a este ou aquele empreendimento ou ramo de negócio, quando determinaram a reserva legal de vagas para as pessoas com deficiência, por mais complexa e arriscada se apresente a atividade. O dispositivo destina-se a toda empresa que possui mais de 100 (cem) empregados, sem excetuar nenhum ramo empresarial, mesmo que penoso, insalubre ou perigoso. As experiências de inserção vêm mostrando que, somente quando do efetivo exercício da profissão, é possível analisar se esta ou aquela pessoa com deficiência é capaz ou não de ocupar um determinado posto de trabalho.

Por sua vez, a Lei n.º 7.102/83 não fala em “aptidão plena” – como insistem alguns – mas apenas em aprovação nos exames de saúde físico, mental e psicotécnico, e muito embora saibamos que seria pequeno o número de pessoas com deficiência a se apresentarem como candidatas para o pleno exercício da profissão, não poderíamos considerar que não existem pessoas com deficiência interessadas e capazes de exercerem a função de Vigilante se constituiria em raciocínio precipitado e discriminatório.

Inúmeras e inimagináveis são as deficiências que acometem as pessoas. Mais surpreendente, ainda, é a capacidade de adaptação e superação dos seres humanos, que criam formas particulares de desenvolverem suas atividades, sem que, com isso, percam em qualidade ou produção para os que exercem sua função da forma padronizada. Ao contrário, está provado que muitas atividades são melhor desenvolvidas por pessoas com deficiência, justamente por lhes faltarem o órgão, sentido ou função, que não seria poupado com a atividade ou, ainda, por terem desenvolvido, com mais vigor, os demais sentidos, funções ou membros que lhe sobram, como é o caso das pessoas com deficiência visual que trabalham em câmaras escuras ou em experimentação de aromas, ou das pessoas com deficiência auditiva que desenvolvem suas atividades laborais em linhas de produção de indústrias com níveis mais elevados de decibéis do que os suportáveis pelas pessoas de audição considerada normal. Não estamos, com isso, a afirmar que determinada deficiência somente deve ser aproveitada em função específica. Ao contrário, acreditamos que a heterogeneidade das pessoas com deficiência deve ser respeitada e as habilidades particulares de cada uma dessas pessoas, levada em consideração. O julgamento antecipado e carregado de preconceitos somente dificulta a compreensão e a análise. Também, por desconhecimento, não devemos submetê-las a ambiente de trabalho que agrave ainda mais suas deficiências, como ocorre com os deficientes auditivos, comumente contratados para atividades insalubres, decorrentes de equipamentos ruidosos, que assim podem ter agravado seu níveis de surdez. Como não poderia deixar de ser, cada caso há de ser cuidadosamente estudado, quando houver sua efetiva ocorrência.

Além disso, não apenas diante dos avanços tecnológicos de próteses, órteses, aparelhos, mas também de equipamentos e ferramentas de trabalho (como teclado em braile, computadores com sistema de resposta audível, processos produtivos com sinalização luminosa e sonora etc), bem como diante da transposição de barreiras arquitetônicas, para acessibilidade de pessoas com deficiência, não se vê óbices para que elas possam assumir funções, as mais diversas possíveis. Mesmo as pessoas completamente privadas de algum órgão, membro ou sentido podem ser produtivas e muito bem exercer as funções de inúmeros cargos que se julga, erroneamente, que são incapazes de ocupar. As próteses de membros inferiores faltantes, por exemplo, atingiram tal perfeição que, muitas vezes, se mostram imperceptíveis, dada a precisão e requinte do movimento, permitindo a pessoa com deficiência física, que dela se utiliza, correr, saltar, dançar e efetuar deslocamentos arrojados, como os necessários à prática desportiva, correspondendo, precisamente, ao movimento padrão do ser humano dito “normal”. Bem assim, os diminutos e eficientes aparelhos que ampliam a audição e inúmeros outros equipamentos que compensam satisfatoriamente os membros, órgãos ou sentidos faltantes ou prejudicados.

Destaque-se a brilhante reprodução da vida realizada pela arte, apresentada pela cinematografia em Homens de honra, história real de Charles Brashear, primeiro Mergulhador negro da Marinha Americana, interpretado por Cuba Gooding Júnior que, após enfrentar o cruel preconceito racial e finalmente conseguir se tornar escafandrista, por ironia do destino, sofre acidente de trabalho que praticamente lhe mutila uma perna. Impossibilitado de exercer sua profissão, tomou a decisão radical de promover a amputação do membro que restou praticamente sem movimentos e servia apenas para fins estéticos, pois sequer lhe permitia andar sem ajuda, passando a fazer uso de prótese e contrariando toda uma junta médica que insistia em conduzi-lo à reforma, por julgá-lo inapto e incapaz para o trabalho. A personagem demonstrou que possuía plenas condições de permanecer exercendo seu trabalho, chegando mesmo a atingir a posição de Master Chief Diver da Marinha dos EUA após o acidente, não obstante o membro faltante. Destaque-se que o fato ocorreu por volta de 1940, quando, inclusive, a tecnologia ainda caminhava em passos pequenos no que respeita as próteses, órteses e demais aparelhos capazes de proporcionar normalidade à vida das pessoas com deficiência[3].

Não negamos que a questão da inserção da pessoa com deficiência nas empresas de vigilância seja complexa e efetivamente necessária sua discussão. E não somente porque o senso comum exija o constante estudo da casuística, mas também porque aos vigilantes é permitido, em atividade, o manuseio de armas e a adoção de medidas ostensivas que os assemelha aos agentes de segurança pública, o que torna a questão ainda mais polêmica.

É de se compulsar a legislação que regulamenta a profissão de vigilante, a fim de que se possa constatar se a mesma não possui dispositivo contendo tal exigência discriminadora das pessoas com deficiência. No entanto, entendemos que não é esse o caso, pois a lei que rege a categoria não proíbe que as pessoas com deficiência galguem a função, não excluem os empreendimentos mencionados da aplicabilidade da reserva legal, nem sequer fala de “aptidão plena”, como equivocadamente afirmam alguns, mas somente exige aptidão física e mental do candidato, o que nada temos a opor, como já deixamos claro.

Em verdade, a problemática reside na leitura discriminatória que está sendo feita não só do art. 16, da Lei n.º 7.102/83, bem como do art. 38, II, do Decreto n.º 3.298/99, prejudicial aos trabalhos de inserção das pessoas com deficiência. Achamos por bem transcrevermos os dispositivos mencionados, para melhor vislumbramos a questão:

Art. 16. Para o exercício da profissão, o vigilante preencherá os seguintes requisitos:
I - ser brasileiro;
II - ter idade mínima de 21 (vinte e um) anos;
III - ter instrução correspondente à 4. série do 1º Grau;
IV - ter sido aprovado, em curso de formação de vigilante, realizado em estabelecimento com funcionamento autorizado nos termos desta lei. (Redação dada ao inciso pela Lei nº 8.863, de 28.03.1994)
V - ter sido aprovado em exame de saúde física, mental e psicotécnico;
VI - não ter antecedentes criminais registrados; e
VII - estar quite com as obrigações eleitorais e militares.
Parágrafo único. O requisito previsto no inciso III deste artigo não se aplica aos vigilantes admitidos até a publicação da presente Lei.

Art. 38. Não se aplica o disposto no artigo anterior nos casos de provimento de:
I – (...);
II - cargo ou emprego público integrante de carreira que exija aptidão plena do candidato.

Alguns justificam a distorção da leitura invocando a Convenção n.º 111, da OIT, que preleciona em seu art. 1º, item 2, que as distinções, exclusões ou preferências fundadas em qualificações exigidas para um determinado emprego não são consideradas como discriminação.

De fato, o Decreto 3.298/99 exclui da aplicação do percentual da reserva legal, em seu inciso II, os cargos ou empregos públicos integrantes da carreira, para os quais se exija aptidão plena. Mas somente esses. E, aí sim, pode-se invocar o que preleciona a mencionada Convenção para justificar a exceção, isso caso não se entendesse discriminatório e pleitearmos sua desconstituição. Mas, por hora, não nos deteremos a essa questão. Repare-se que o decreto não faz qualquer exceção no que respeita a iniciativa privada, muito menos ao específico caso das empresas de vigilância. Não cabe a nós estender sua leitura com o intuito de criar ainda mais óbices e proibições infundadas.

Preleciona o art. 5º, da Constituição Federal, em seu inciso XIII, que é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer. Em razão desse mandamento constitucional, entendemos que inexistem óbices para o exercício da profissão de vigilante por pessoa com deficiência, desde que atendidas as qualificações profissionais estabelecidas em lei, quais sejam, aprovação em curso de formação, psicotécnico, aptidão física e mental. Mais nenhuma exigência dispõe a lei ou seu decreto regulamentador.

Não se pode tratar todo universo de pessoas com deficiência como um grupo homogêneo. Os óbices e limites que se impõem a uma, não são os mesmos que se estabelecem a outra, muito embora possam até vir a apresentar deficiências com a mesma aparência e nomenclatura. Isso porque são inúmeras as deficiências que acometem as pessoas e mais variadas, ainda, as formas de encará-las. Não se pode estabelecer previamente os limites de cada uma dessas pessoas. Se limites existem, esses devem ser apontados pelas próprias pessoas com deficiência, em cada situação concreta que enfrentar. E, mesmo que assim não se entenda, e seja acolhido o argumento de que nenhuma das 15,14 milhões de pessoas com deficiência no Brasil, aptas ao trabalho, se encontram em condições plenas de ocupar a função de Vigilante, ainda assim restariam, nessas empresas, os cargos administrativos e operacionais para alocá-las. Não deve subsistir, portanto, a idéia de que as empresas de vigilância estariam isentas do cumprimento da reserva legal. O mais sensato, é que se abra a seleção para o preenchimento dos cargos existentes e, caso o candidato com deficiência, ainda que apto e aprovado, quando em efetiva atividade, não possa se adaptar às condições de trabalho, e seja impossível a promoção das adequações que lhe permita o bom desempenho da função, aí, sim, deverá ser dispensado: pois, para isso, é que servem o contrato de experiência, na iniciativa privada e o estágio probatório no serviço público. Este, inclusive, é o entendimento esposado na reunião da Câmara Técnica que se agrupou especificamente para tratar da questão de concurso público para pessoas com deficiência na administração direta e indireta, integrada por representantes dos diversos ramos do Ministério Público, mormente o Ministério Público do Trabalho, do Ministério da Justiça e de representantes da CORDE – Coordenadoria Nacional de Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, onde da análise da questão da aferição da reserva de vagas na Administração Pública direta e indireta, concluiu-se que a equipe multiprofissional de que trata o art. 43, do Decreto n.º 3.298/99, composta a fim de acompanhar a submissão das pessoas com deficiência a concurso público, não pode, sob esse argumento e a priori declarar incompatível a deficiência do candidato e as atribuições do cargo a ser ocupado, o que somente deve ser analisado na fase do estágio probatório ou período de experiência, que inclusive será realizado com as adaptações necessárias do posto de trabalho, proporcionando o melhor desempenho possível das funções afeitas ao cargo.

Mesmo quando alegada impossibilidade de contratação em razão da necessidade de que a pessoa com deficiência preencha os requisitos para o cargo de Vigilante, mas também por se tratar de empresa que exige desses profissionais a habilitação para a condução dos veículos de transporte de valores, ainda assim parece precipitada sua exclusão. Para o mencionado caso, há de se observar a mesma linha de raciocínio já traçada, a de que a Resolução n.º 51/98, do CONTRAN, alterada em seus anexos pela Resolução n.º 80/98, em momento algum, exclui a pessoa com deficiência da possibilidade de exercer tal atividade profissional. A mencionada resolução estabelece (anexo I, item 10.3) que ao condutor de veículos adaptados será vedada a atividade remunerada, por razões óbvias. E as pessoas com deficiência capazes de dirigir com segurança e sem necessidade alguma de adaptação? Serão penalizadas pela força de vontade e superação de seus próprios limites? Absurdos desse jaez serão cometidos caso permaneça a leitura preconceituosa dos dispositivos legais mencionados.

Segundo dados do Ministério Público do Trabalho em Alagoas, existe pessoa com deficiência avaliada por junta médica e aprovada em concurso público para o cargo de Motorista, no Município de Carneiros, no sertão alagoano, compondo a lista de aprovados e pronta para a efetiva nomeação. No Rio Grande do Sul existem pessoas com deficiências auditivas mais brandas trabalhando como vigilantes. No mesmo Estado, dez pessoas com deficiência, das mais diversas, estão aptas para exercer a mencionada função e integrar os cadastros do SINE. Na Paraíba, a Fundação de Apoio ao Portador de Deficiência divulgou que pessoa com deficiência fora aprovada no curso de formação de Vigilantes, estando apta para exercer a função.

Em Alagoas, das duas empresas de vigilância patrimonial e transporte de valores convocadas para promover a adequação de seus quadros ao que ordena a lei, uma firmou Termo de Compromisso onde, mediante prazo, e sujeita a multa para o caso de descumprimento, se comprometeu a promover a contratação de pessoas com deficiência no percentual que lhe cabe. A outra se utilizou do argumento de que se tratava de categoria especial, cuja profissão se encontrava regulamentada por lei federal, razão pela qual, a seu ver, sucumbiria a Lei n.º 8.213/91. Prontificou-se a firmar Compromisso, mas somente se comprometendo a aplicar o percentual sobre os cargos administrativos. Em razão disso, fez-se necessário o ajuizamento de ação civil pública pelo Ministério Público do Trabalho da 19ª Região, em cujos autos foi promovido acordo judicial em que a empresa concordou em aplicar o percentual sobre o número total de empregados, promovendo a contratação preferencialmente para os cargos administrativos. Isso sem se opor à contratação de pessoas com deficiência habilitadas para a função de Vigilante, que por ventura venha a se apresentar, embora não conste do cadastro das pessoas com deficiência habilitadas e pessoas reabilitadas para o trabalho, mantido pelo Núcleo de Combate a Desigualdade na Oportunidade de Trabalho em Alagoas, sob a responsabilidade da Unidade de Reabilitação Profissional do INSS, nenhuma pessoa apta para exercer a atividade.
5.0. CONCLUSÕES

Os dispositivos legais observados não dão margem a interpretação extensiva. Neles não há qualquer referência de que as pessoas com deficiência não possam se habilitar para a função de Vigilante. Entendemos como discriminatória, e até mesmo perigosa, a interpretação que aplica as empresas de vigilância patrimonial e transporte de valores, por analogia, o disposto no art. 38, II, do Decreto 3.298/99, ao argumento de igualdade de tratamento entre o setor público e o privado. Às pessoas com deficiência, já basta a proibição expressa e sem fundamento aceitável, constante do mencionado artigo.

Consistiria em afronta às liberdades individuais, constitucionalmente garantidas, imaginarmos que lei proíbe uma pessoa de exercer as atividades próprias de determinada profissão, para a qual possui todas as condições e, dessa forma, levar por terra seus dons, aspirações, aptidões e habilidades, somente por carregar o estigma de deficiente, sendo que apenas são diferentes das demais, mas sem, que com isso, necessariamente se lhe imponha qualquer limitação para o trabalho que almeja.

Reitere-se que, de fato, um grande número de pessoas com deficiência não se encontraria apto para o exercício da função de Vigilante e, conseqüentemente, não conseguiria aprovação no curso de formação. No entanto, observe-se que, ainda que não seja significativo o número de pessoas com deficiência aptas para o exercício do trabalho de vigilante, não deve existir proibição para tanto, sob pena de desrespeito às heterogeneidades e acometimento de injustiças irreparáveis.

Repare-se que adotando-se tal raciocínio (de que inexistem pessoas com deficiência aptas para a mencionada função), estaríamos impedindo, de forma discriminatória, a possibilidade de ocupação desses postos de trabalho pelas pessoas com deficiência ou limitações sutis que, em nada, as impedem, como os portadores de surdez parcial, visão monocular etc.

Não deve prevalecer a absurda alegação de impossibilidade jurídica ou material da ocupação do cargo de Vigilante por pessoa com deficiência. Há somente uma única ressalva da lei que rege a categoria de Vigilante, que consta de seu art. 17: prévio registro no Departamento de Polícia Federal, que se fará após a apresentação dos documentos comprobatórios das situações enumeradas no art. 16, onde não detectamos – repita-se – qualquer menção a aptidão plena.

Decerto existem dispositivos legais discriminatórios, prejudiciais as pessoas com deficiência, que necessitam imediata revisão pelos órgãos competentes. Mas esse não é o caso da Lei n.º 7.102/83. Ela não apresenta traço algum de discriminação, razão por que não vemos necessidade de, neste trabalho, nos opor a legislação, posto que os critérios constantes da mesma, para avaliação do treinamento e da habilitação para o exercício da profissão não excluem as pessoas com deficiência.

Não se trata de necessidade de revisão da lei. E sim de conscientização mais profunda de quem as interpreta.

BIBLIOGRAFIA

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* é Assessora Jurídica do Gabinete do Procurador-Chefe do Ministério Público do Trabalho - Procuradoria Regional do Trabalho da 19ª Região/AL, Escritora, Professora de Direito do Trabalho, Integrante do Núcleo de Combate à Desigualdade na Oportunidade de Trabalho em Alagoas e Integrante do Fórum Estadual Lixo e Cidadania.

[1] Por força do que preleciona o art. 227, §2º, o art. 244, da CF/88 e o art. 2º, V, ‘a’, da Lei n.º 7.853/89, bem como a Lei n.º 10.098/2000, que trata especificamente da questão, estabelecendo normas gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade das pessoas com mobilidade reduzida, determinando a supressão de barreiras e obstáculos nas vias e espaços públicos, no mobiliário urbano, na construção e reforma de edifícios, nos meios de transporte e de comunicação.
[2] Como comprova o caso divulgado por membro do COORDIGUALDADE/MPT, em que segundo a Folha de São Paulo (agosto/2000) onze pessoas com deficiência controlam eficientemente, por meio de monitores, toda a segurança do maior hospital da América Latina, o Hospital Albert Einstein.

[3] É digno de nota o caso divulgado por Órgão do Ministério Público do Trabalho, de Bailarino com deficiência, vítima de poliomielite aos nove meses de idade, usuário de cadeira de rodas, que se submeteu a prova eliminatória de conhecimentos práticos para se habilitar à profissão, sendo provavelmente a primeira pessoa com deficiência física no país, a receber sua habilitação profissional e registro em sua CTPS como Bailarino, no dia 18/12/2002, em solenidade promovida pela DRT/RJ.
Artigo publicado nos seguintes espaços:
Revista Jurídica Virtual da Presidência da República
ISSN 1808-2807
www.presidencia.gov.br
Vol. 05, n.º 51, agosto/2003

Revista Jurídica Jus Navigandi
ISSN 1518-4862
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Maio/2003

Jornal Trabalhista Consulex
Vol. 20, n.º 975, p.5-11
Julho/2003

Revista Eletrônica Jus Vigilantibus
www.jusvi.com.br
Julho/2003

Revista Jurídica da ANAMATRA – Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho – Revista Trabalhista Direito e Processo
Volume 11
Dezembro/2004

Site IBAP – Instituto Brasileiro de Advocacia Pública
www.ibap.com.br
Jurid Publicações Eletrônicas
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O neófito
www.neofito.com.br

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www.teiajuridica.com

Espaço Vital – revista jurídica eletrônica
www.espaçovital.com.br
Vem concursos - www.vemconcursos.com.br

2 comentários:

  1. Boa tarde Rita!
    Primeiramente, parabéns pelo belo e rico trabalho.
    Faço pós graduação em direito do trabalho e ao ler seu trabalho, me motivei, ainda mais, para fazer minha tese baseada em uma pesquisa jus científica onde quero abordar o tema sobre as cotas de deficientes físicos dentro de uma empresa e o quanto esse direito não vem sendo divulgado (pelas próprias empresas) que fazem questão de ocultarem dos deficientes tais vagas, preferindo levar multas absurdas ao admitirem, muitas vezes, excelentes mãos de obras.
    Bom, como pretendo fazer minha tese e você já fez um estudo sobre esse assunto, gostaria de saber se podes me indicar algumas fontes de pesquisa e onde posso encontrá-las.
    Se puder ajudar-me ficarei muito agradecida.
    Atenciosamente,
    Adriane Oliveira
    adriane.abel@uol.com.br

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  2. Posso ajudar, sim.
    Vou entrar em contato por email, Adriane.
    Um abraço.

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