No lugar de esplanadas, superquadras e eixos monumentais, a paisagem
de Brasília poderia ser composta hoje por um aglomerado de chácaras que
produziriam os bens necessários para a subsistência de sua população. Ou
a capital federal do Brasil seria ultramoderna, abrigando seus
moradores em torres da altura da Torre Eiffel.
Essas e outras “Brasílias”, que poderiam ter se tornado realidade se o
arquiteto e urbanista Lúcio Costa (1902-1998) não tivesse participado e
se sagrado vencedor do concurso do plano piloto de Brasília, em 1956,
são descritas no livro (Im)possíveis Brasílias: os projetos apresentados no concurso do plano piloto da nova capital federal, lançado em agosto com apoio da FAPESP por meio da modalidade Auxílio à Pesquisa – Publicações.
Resultado da tese de mestrado de Aline Moraes Costa Braga, defendida
em 2002 no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da
Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), o livro aborda os 25
projetos derrotados por Costa no “concurso arquitetônico mais importante
do século 20”.
Para reuni-los, Braga visitou todos os escritórios de arquitetura que
estavam ativos na época e realizou entrevistas com alguns dos
arquitetos que participaram do concurso, como Joaquim Manoel Guedes
Sobrinho (1932-2008).
Dessa forma, reuniu uma coleção documental e iconográfica sobre cada
um dos projetos que participaram do certame e que até então estavam
dispersos. Também contextualizou a história do concurso, que reuniu duas
gerações de arquitetos no Brasil – os pioneiros do Movimento Moderno e
jovens arquitetos que se destacariam nas décadas seguintes – e ficou
marcado como um momento singular de debate internacional de ideias
arquitetônicas.
Segundo Braga, a maior parte dos projetos apresentados no concurso se
baseava no conceito de urbanismo moderno, que defendia a organização
das principais funções da cidade.
“As referências às superquadras, com a ideia de possibilitar a
independência entre a circulação dos pedestres e dos automóveis e
setorizar os serviços de comércio, residencial e de lazer, são
predominantes em todos os projetos”, disse à Agência FAPESP.
A única exceção, segundo ela, foi o projeto de José Octacílio de
Saboya Ribeiro (1899-1967), que previa que a cidade seria construída na
parte mais alta do relevo, distanciando-se consideravelmente do lago, e
teria elementos renascentistas.
Outras propostas ousadas foram as dos arquitetos João Batista
Vilanova Artigas (1915-1985) e dos irmãos Marcelo (1908-1964), Milton
(1914-1953) e Maurício Roberto (1921-1996), do escritório MMM Roberto.
Um dos arquitetos mais jovens a participar do concurso, o paulista
Artigas propôs que Brasília fosse uma aldeia rural, formada por um
aglomerado de chácaras que produziriam tudo o que fosse necessário para o
consumo de sua população e com habitações bem distantes uma das outras.
Por sua vez, os irmãos Roberto também propuseram que a cidade fosse
dividida em sete núcleos autônomos, que teriam suas próprias
administrações e infraestrutura de serviços, e cada um abrigaria um
determinado órgão do governo.
“Essa proposta também é diferente dos outros projetos que,
normalmente, condensaram todas as atividades governamentais em um só
ponto da cidade. Ela evitaria que todo mundo se deslocasse para um local
da cidade, como ocorre hoje, evitando congestionamentos”, avaliou
Braga.
Segundo a autora, a proposta mais radical, e que se tornou a mais
famosa depois do projeto Costa, foi a de Rino Levi (1901-1965). O
arquiteto propôs uma cidade vertical, com torres com 300 metros de
altura – altura semelhante à da Torre Eiffel –, que concentrariam as
habitações. Já os edifícios públicos e os serviços da cidade se
concentrariam na parte térrea, em edifícios totalmente baixos, que se
contraporiam aos edifícios residenciais.
O projeto, que surpreendeu a crítica pela ousadia e por ter sido
elaborado por um arquiteto que era visto na época como conservador, não
agradou o júri do concurso.
“Os jurados acharam que a proposta dele não valorizava os serviços
administrativos e governamentais, que seriam os principais objetivos da
nova capital administrativa do país”, contou Braga.
A ausência mais notada no concurso foi a do paulista Francisco
Prestes Maia (1896-1965). Prefeito de São Paulo e um dos mais
experientes urbanistas brasileiros, Maia, que na época do concurso e da
construção de Brasília estava desenvolvendo e implantando o projeto da
cidade de Campinas, não participou do concurso por razões até hoje
desconhecidas.
“É muito curioso o fato de que o maior urbanista brasileiro, que
possuía um currículo que permitia ser convidado para projetar Brasília
sem nem sequer ter de se inscrever no concurso, não tenha participado. E
ninguém sabe qual a razão”, disse Marcos Tognon, professor da Unicamp,
que orientou Braga e assina o prefácio do livro.
Projeto vencedor
De acordo com Tognon, também havia uma expectativa de que Lúcio
Costa, que era um dos arquitetos mais importantes na época, não
participasse do concurso. Mas, no último dia do prazo de inscrição para o
concurso, a filha do arquiteto apresentou o projeto do pai, que venceu
com bastante distância e destaque dos outros colocados e se contrastava
deles, além da proposta, pela simplicidade com que foi apresentado.
Enquanto os outros projetos eram compostos por estudos, desenhos
técnicos, documentos e maquetes, o de Costa era um memorial manuscrito
curto, com cerca de 30 e poucas páginas, contendo os esboços de suas
ideias, que solucionavam de maneira muito simples e elegante questões
que outros arquitetos não conseguiram resolver após estudos exaustivos.
“O projeto era quase que uma proposta de estética urbana, enquanto
que a dos outros projetos era de uma cidade funcional. Embora não
esquecesse de pensar na função da cidade, Costa valorizou muito o efeito
visual de Brasília, enquanto as outras propostas estavam mais
preocupadas com a questão funcional, habitacional e de transportes”,
avaliou Tognon.
Segundo ele, curiosamente, o projeto de Costa foi que o estava mais
preparado para receber as obras de arquitetura de Oscar Niemeyer, que
não participou do concurso porque foi convidado diretamente para
executar o projeto.
Niemeyer foi estagiário de Lúcio Costa no início de sua faculdade de
arquitetura no Rio de Janeiro e os dois arquitetos já haviam trabalhado
juntos em outros projetos, como a construção do pavilhão brasileiro para
a Feira Universal de Nova York. “Eles conviviam muito, tinham muitas
afinidades e gostavam dos mesmos arquitetos e referências arquitetônicas
europeias”, disse Tognon.
Segundo o pesquisador, Costa estudou um modelo de superquadra
desenvolvido na Europa para adaptá-lo ao cerrado de Brasília. E buscou
inspiração em grandes capitais, como Paris e Washington, para elaborar o
eixo monumental da cidade, que é uma espécie de cena arquitetônica por
onde foram dispostos os edifícios em posições estratégicas e as duas
asas habitacionais da cidade.
Construída praticamente no prazo de 40 meses, e alvo de elogios e
críticas, Brasília não teve tempo de amadurecer e se tornar uma cidade
liberal, que demarcaria uma nova fronteira, conforme previa Juscelino
Kubitschek (1902-1976), porque quatro anos depois viria a se tornar a
capital da ditadura, aponta Tognon. O que fez com que Costa não pudesse
mais trabalhar e Niemeyer se exilasse, tornando a capital federal uma
cidade inacabada.
“Teríamos uma Brasília mais verde, com maior funcionalidade e melhor
desenvolvida se não houvesse a ditadura militar. A cidade precisaria de
mais 15 ou 20 anos dentro da mesma cultura política da época em que
começou a ser construída para se desenvolver plenamente”, concluiu
Tognon.
(Im)possíveis Brasílias: os projetos apresentados no concurso do plano piloto da nova capital federal
Autor: Aline Moraes Costa Braga
Lançamento: 2011
Mais informações: www.alamedaeditorial.com.br/contato.html
Autor: Aline Moraes Costa Braga
Lançamento: 2011
Mais informações: www.alamedaeditorial.com.br/contato.html
Fonte: Agência Fapesp
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