Entre as
mulheres, as negras.
Rita
Mendonça[1]
Mulheres
lindas e de presença forte na Conferência Nacional da Mulher Advogada,
realizada nos dias 21 e 22 deste mês.
De todas
as idades, origens, classe sociais, estado civil, convicções filosóficas,
políticas e religiosas. De todos os
gostos, estilos e aptidões. Enfim,
mulheres. E ponto final.
Encontro de meninas, independente da idade, é sempre uma alegria e
troca de experiências em todas as dimensões de nossa vida. As conversas e
trocas não se limitaram aos temas jurídicos. Percebi e aprendi novos cortes de
cabelo, combinações de roupas e acessórios, perfumes, maquiagens. Uma
maravilha!
Algo que senti nesses dois dias foi o fato de que embora as 'não
brancas' fossem a maioria, nenhuma, além de mim, usavam o cabelo que Deus
(qualquer Deus) lhe deu.
Eu mesma não o assumia integralmente, até poucos anos atrás.
Embora gostasse dos “cachuchos”, vivia querendo domá-los na forma e posição que
eu considerava “correta”.
Hoje a minha cabeleira tem vida própria e faz o que quer. Ao
contrário do que eu imaginei e temia, estou é mais feliz e segura.
Não vou dizer que é fácil. Embora esteja super bem resolvida, de
quando em vez ainda me sinto um estranho no ninho por causa das madeixas, já
que o padrão, pelo menos quando estamos em ambiente formais e solenes, é
alisá-las.
Essa ausência de cabeleiras crespas no evento, só reforça e
confirma o que estudamos nas academias: entre as mulheres, as negras ainda
estão em um patamar inferior. Ou seja, dentro da luta de gênero, a mulher que
não é branca ainda tem que travar, entre as mulheres, suas lutas de raça.
Não são comentários diretos; não são críticas. São olhares... um
tipo de racismo que o Brasil vive e sequer se dá conta, já que é velado.
Quando há fala, é assim: "que lindo, o seu cabelo!", mas
numa postura corporal que diz "bonito para você, pois não sou negra e nem serve
para mim".
Muitas são vítimas da armadilha capilar - como eu - e nem
perceberam que fazendo certos tratamentos em salão de beleza que se diziam
amaciadores de cachos ou redutores de volume estariam descaracterizando sua
fibra capilar de tal forma que só cortando completamente a parte exposta ao
produto poderiam ter seus cachos de volta. E aí, no desespero de acordar com o cabelo
horrível, migramos para a chapinha e a escova definitiva.
Na nossa negação de raça somos praticamente todos um pouco
vítimas.
A descolonização, por exemplo, em mim, foi tão avassaladora, que
por não ter passado fome e por ter branqueado como resultado das migrações pós-abolição
da escravatura, não me sentia negra até bem pouco tempo. Só “morena”, o que na nossa cabeça já nos
coloca num patamar mais vantajoso.
Principalmente se a gente alisar o cabelo.
As pessoas que o fazem, necessariamente não são más. Muitas não se
dão conta de que foram educadas para achar o que é diferente como feio e
errado. Muitas sequer se dão conta que se sentem mal com a presença do
diferente julgando com instrumentos e referências que não são suas e nem de
suas vivências, mas que lhe foram impostas goela abaixo, desde tenra idade,
quando nos era negada, por exemplo, a bonequinha de cor escura e cabelinhos
crespos, considerada feia.
O problema começa, de fato, quando a gente se dá conta do racismo
que existe em nós e ainda assim não quer se abrir para conversar e refletir
sobre a discriminação. Ou quando
começamos a acusar e apontar o dedo em riste como se fôssemos imune à cometer
atos de discriminação.
“Atire e
primeira pedra!”. Se formos justos e coerentes, não atiraremos nenhuma.
Criar situações de diálogos inclusivos, e expor, sem medo, as nossas
situações de ausência de empatia e alteridade, são o grande remédio que cura a
maioria quase absoluta de nós.
Como me disse uma amiga, companheira de jornada de inclusão, Marta
Gil[2], ao observar minha foto na
conferência, "você saiu do armário", capilarmente falando. E isso vem me fazendo bem e ando até mais
sorridente nas fotos.
Tenho certeza que terei o apoio da Ordem dos Advogados do Brasil -
Seccional Alagoas e de Fernanda Marinella[3] que por diversas vezes já
demonstrou interesse e disponibilidade para abordar recortes e temas transversais
perante à OAB, dentro das questões de gênero, como é o caso da mulher negra,
lésbica, com deficiência, indígena, cigana, idosa, jovem no primeiro emprego,
egressa do sistema prisional e quilombola.
Enfim,
mulher é gente, e todas as dimensões humanas precisam ser tocadas pelas suas
especificidades.
Nessa luta já conto com a força e credibilidade da Associação
Brasileira de Recursos Humanos (ABRH), por meio de Jorgete Lemos[4] e da ABRH/AL, na pessoa de
Danielle Maciel[5],
que me acolheu como Diretora Jurídica e de Diversidade na Seccional Alagoas, e
vem me apoiando nas iniciativas em que questiono as diferenças sociais com as
quais lidamos tão mal em nosso cotidiano.
Para nós, mulheres não brancas, "força na peruca", e
vamos à luta, que ficar reclamando, de longe, sem mergulhar no problema, com
respeito e postura amorosa para as limitações do outro - claro - não ajuda a
resolvê-lo; só reforça o estigma.
[1]
Advogada, pesquisadora e
consultora em Direitos Humanos, Acessibilidade e Inclusão Social. Diretora de Diversidade da Associação
Brasileira de Recursos Humanos – Seccional Alagoas (ABRH/AL). Secretária de
Estado Adjunta da Mulher e dos Direitos Humanos em Alagoas. Secretária Geral da Comissão dos Direitos da
Pessoa com Deficiência da Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional Alagoas
(OAB/AL). Especialista em Educação em
Direitos Humanos e Cidadania (Ufal), Gestão de Políticas Públicas de Gênero e
Raça (UnB), e Participação Democrática, República e Movimentos Sociais (UFMG).
[2] Socióloga e Consultora em Inclusão, fundadora
do Instituto Amankay de Estudos e Pesquisas.
[3] Conselheira Federal da OAB e
Presidente da Comissão Especial da Mulher Advogada.
[4] Assistente Social e Consultora
Organizacional, Diretora de Diversidade na ABRH Nacional.