quinta-feira, 30 de novembro de 2006

Exposição Virtual Permanente.


Obra de Socorro Monteiro, em papel machê.
Foto: Emanuel Galvão (setembro/2006)

Meus queridos,

Desde agosto que baixou o "caboclo" e não paro de escrever.
Como uma benção, foi lançado o edital para o concurso "Alagoas em Cena".
Não deu outra: corri, juntei tudo o que tinha escrito e agora sou uma das candidatas no certame.
Se for escolhida, publico o meu livro.
Se não, vou me esforçar para lançá-lo independente, em breve.
Muitos de vocês já conhecem meus escritos, mas não custa divulgar.
Todos os poemas a serem publicados estão divulgados no endereço:
http://palavrasdeabsinto.blogspot.com.
Olha o primeiro esboço da capa! Obrigada pela força, Jurandir Bozo, Bob Omena, Emanuel Galvão e Napoleão Idelfonso.
Torçam por mim, ok?

quarta-feira, 29 de novembro de 2006

Artigo: Hora de pagar as contas - tratamento Desigual para os desiguais - respeito ao princípio constitucional da isonomia.


HORA DE PAGAR AS CONTAS: TRATAMENTO DESIGUAL PARA OS DESIGUAIS – RESPEITO AO PRINCIPIO CONSTITUCIONAL DA ISONOMIA
(Breve estudo sobre a ação afirmativa em favor dos afro-descendentes)


Rita de Cássia Tenório Mendonça*

"É difícil dizer da verdadeira intenção das pessoas, mas com certeza, poucos são os seres humanos que não desejam viver num mundo mais justo que o atual. Do pior criminoso ao mais honesto dos homens, feita esta pergunta, teríamos indiscutivelmente uma resposta em sentido afirmativo quase que unânime.

Mas por que a maioria das pessoas age de forma a contrariar essa intenção universal? Tal pergunta é de difícil resposta, mas arrisco-me a dizer que o sentimento universal de bem comum, apesar de presente em quase todos os seres racionais do planeta terra, exerce ainda menor influência nos atos da vida cotidiana do que o sentimento individualista próprio do mundo capitalista atual. O resultado prático imediatista do ato individual sempre se sobrepõe ao resultado a longo prazo, porém eficaz, do ato coletivista.

Temos hoje em voga a questão do racismo, do preconceito e das cotas no Brasil. É consenso geral entre as pessoas de bom-senso, que vivemos em um país de desigualdades, onde o preconceito e o racismo estão, há muito, incutidos no cerne das relações interpessoais pátrias. No entanto, quando se fala em reparação pelos mais de 300 anos de escravidão, injúria, opressão e discriminação, ou em tentativas de inclusão social do negro, o sentimento egoísta individual e o medo de ter que ceder quaisquer direitos em favor de uma parcela oprimida da população, fala mais alto.”(Santana, Guilherme Guimarães. Preconceito sem cara: cotas, racismo e preconceito. Jus Navigandi, Teresina, a.8, n. 427, 7 set.2004).

Há pouco mais de uma semana, do Dia da Consciência Negra (20/11/2006), é momento adequado para a reflexão das questões que interessam a parcela afro-descendente da população brasileira.

Nem bem surgiram as primeiras discussões acerca da ação afirmativa em favor da população afro-descendente no país que perfiladas, quase que imediatamente, apareceram as mais diversas críticas, a maioria tendo por base a suposta ofensa ao princípio da igualdade, previsto constitucionalmente (art. 5º, CF/88).

Ao ver de parcela considerável da população, o sistema de cotas para os afro-descendentes, ou seja, a reserva legal de vagas nas entidades públicas de ensino superior, como uma ação afirmativa/inclusiva da população negra brasileira, consistiria em privilégio sem fundamento, que resultaria, por sua vez, em nova desigualdade, favorecendo apenas uma parcela da sociedade.

Será que se estaria alimentando, de fato, ainda mais, um sistema de castas sociais em detrimento do estado democrático de direito e da sociedade como um todo?

Nesse passo, pergunta-se, ainda: os que demonstraram descontentamento se opõem, diretamente, a ação afirmativa? A política de inclusão social da parcela negra da população?

Parece que não.

É de conhecimento geral a situação a que foram impelidos os afro-descendentes em sua secular história de opressão. A população não se opõe a esse dado histórico, e nem a necessidade de atenuá-lo. Opõe-se, sim, grande parcela da população, ao “preço” que lhe custará apoiar esta ação afirmativa, o que já é uma outra discussão.

Os dados estatísticos são absolutos: os afro-descendentes, em sua quase maioria se concentram na categoria menos favorecida da sociedade, com pouco acesso a bens e serviços, percebendo os menores salários e ocupando os postos de trabalho menos qualificados, salvo exceções incipientes. Não se contestam as causas, portanto; mas o “efeito” de tal constatação, que é a necessidade de adoção das temidas ações afirmativas (medidas tendentes a minimizar o passado de discriminação e injustiça). O que se receia é subsidiar, com o próprio suor, o aporte necessário para a implementação das medidas.

Não há como negar: a promoção do bem comum e a igualdade – embora sempre bem recebida –, consiste em parcela de sacrifício a ser suportada pela sociedade como um todo, que é quem lhe financia. E é esta mesma população que está cansada de pagar duas (senão três ou mais vezes) o preço que se lhe impõem – em razão dos desmandos políticos e má administração pública –, sem que, ao final, consiga perceber o resultado positivo de seu investimento e empenho.

Não há quem aceite passivamente “pagar o preço desse débito social”, que já vem sendo transmitido de geração em geração, sem que se dê resposta definitiva e adequada. “Devo, não nego”. Mas parece mais atraente, por hora, não saldar o débito; e sim transmiti-lo para as gerações seguintes, numa situação indefinida e desconfortável para os “credores” desse débito social.

O cerne dos argumentos contrários à política de cotas é, como se disse, justamente, a quebra do princípio da igualdade, uma vez que, aparentemente, um grupo de pessoas (os afro-descendentes) seria privilegiado em detrimento do todo, visto que os critérios para sua inserção no ensino superior e público ocorreriam em razão de requisitos que somente a esse grupo beneficiaria, enquanto os demais, não integrantes dessa minoria, concorreriam exatamente para as mesmas vagas, mas submetidos a regras menos favoráveis, diferenciadas. Em suma: pessoas competindo para vagas no ensino público superior em suposta desigualdade, submetidas a condições diferenciadas de admissão.

No entanto, o que ocorre, com essa medida, é justamente prestígio ao princípio da isonomia, uma vez que se passa a proporcionar tratamento diferenciado aos desiguais, com o intuito de trazê-los, todos, ao mesmo patamar.

O princípio da igualdade proíbe é o tratamento diverso para pessoas em igualdade de condições. E esse não é o caso dos afro-descendentes, que se encontram em flagrante desvantagem na escalada social, em razão de toda sua carga histórica, como exaustivamente provam os estudos e dados estatísticos.

Tratar desigualmente os desiguais, já dizia o Mestre Rui Barbosa, é medida necessária para que, finalmente, se igualem.

O problema da igualdade é que todos só a desejam com relação a quem está em situação melhor do que a sua (...) as pessoas desejam, sim, aumentar quaisquer direitos já conquistados e nunca ceder em favor dos menos favorecidos, quando tal ajuda implique em ter que dividir direitos (Santana, Op.Cit.).

Lamentavelmente, não se pode aguardar indefinidamente o melhoramento do ensino público como um todo e o soerguimento do ensino superior, momento quimérico em que a população negra poderia respirar aliviada, certa de que competiria em pé de igualdade e justiça, com os demais, pelas vagas acadêmicas. Por hora, o que a realidade nos mostra, é que os afro-descendentes, em geral, advindos do ensino público sucateado, são os “guerreiros vencidos” antes mesmo de iniciada a competição pela academia.

Há muito se foi a “hora H”, no que respeita a adoção de ações afirmativas e medidas compensatórias da história de injustiça, discriminação e preconceito a que a sociedade, como um todo, vem submetendo, ainda que de forma omissiva, a parcela afro-descendente da população, relegando-a aos planos inferiores da pirâmide social.

E o mínimo que pode ser feito, como forma de amainar um dano que não pode ser remediado por completo, mas, apenas, contemporizar seus nefastos efeitos, é a adoção de ações afirmativas e políticas públicas compensatórias.

Diferenças criadas em favor de grupos discriminados, em geral, hipossuficientes – repita-se – não se constituem em privilégios indevidos, mas medidas adotadas a fim de reduzir, tanto quanto possível, as injustas desigualdades sociais.

Temos exemplos de políticas de promoção de igualdade exitosas, como, v.g., a inserção no mercado de trabalho da pessoa com deficiência. Igualmente, nesse caso, a proteção do Estado visa à salvaguarda dessa minoria que, de outra forma, estaria em situação de risco social, eis que não teria condições de uma inserção justa e democrática na sociedade, a par de suas limitações para concorrerem pelas oportunidades, ou seja, já iniciariam a “competição” com visível desvantagem. Impossível, portanto, nesses termos, sagrarem-se vencedores.

O Brasil possui um infeliz histórico de discriminação sutil e preconceito velado que precisam ser mitigados. Trata-se do preconceito silencioso que permeia as relações travadas com as minorias hipossuficientes (negros, índios, idosos, mulheres, crianças, obesos, homossexuais etc.).

A ação afirmativa, no caso dos afro-descendentes, vem como uma tentativa de minimizar a injustiça social que se fez até então. A política de cotas é como que uma confissão: admite-se a prática do mal, buscando-se, agora, minimizar os transtornos dele decorrentes, uma vez que não há como reparar o dano causado, por completo.

Não restam muitas opções: o débito existe; e ele é de toda a sociedade brasileira, ainda que de forma transversa, pois que responsáveis indiretos pelas escolhas tortas dos representantes que elegeram. Trate-se de saldá-lo, antes que se torne impagável.


BIBLIOGRAFIA

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. Júris Síntese Millenium. Editora Síntese Ltda. 2000. CD-ROM.

BRASIL. Lei n.º 8.213, de 24/07/91. Dispõe sobre os Planos de Benefícios da Previdência Social e dá outras providências.

BRASIL. Decreto n.º 3.048, de 06/05/99. aprova o Regulamento da Previdência Social e dá outras providências.

EUA. Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, adotada pela Resolução n.º 2.106-A da Assembléia das Nações Unidas, em 21 de dezembro de 1965. Aprovada pelo Decreto Legislativo n.º 23, de 21.6.1967. Ratificada pelo Brasil em 27 de março de 1968. Entrou em vigor no Brasil em 4.1.1969. Promulgada pelo Decreto n.º 65.810, de 8.12.1969. Publicada no D.O. de 10.12.1969. Júris Síntese Millenium. Editora Síntese Ltda. 2000. CD-ROM.

GENEBRA. Recomendação n.º 111, da OIT, de 25/06/58, que suplementa a convenção de mesmo número, define discriminação, formula políticas e sua execução.

BRITO FILHO, José Cláudio Monteiro. Direitos Humanos, cidadania, trabalho. Belém, 2004.

HUMENHUK, Hewerstton. O direito à saúde no Brasil e a teoria dos direitos fundamentais . Jus Navigandi, Teresina, a. 8, n. 227, 20 fev. 2004. Disponível em: http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=4839. Acesso em: 26 março de 2004.

Santana, Guilherme Guimarães. Preconceito sem cara: cotas, racismo e preconceito. Jus Navigandi, Teresina, a.8, n. 427, 7 set.2004. Disponível em www.jus.com.br
. Acesso em novembro/2005.

NÚCLEO DE COMBATE A DISCRIMINAÇÃO NA OPORTUNIDADE DE TRABALHO EM ALAGOAS. Maceió/AL. Atas das reuniões realizadas no período 2000/2006.

CURSO DE DIREITOS HUMANOS – TEORIA E PRÁTICA – Programa FGV Management. Maceió/AL. Material didático do período outubro/2005 a janeiro/2006.


* é Escritora, Assessora Jurídica do Ministério Público do Trabalho desde 1997, lotada na Procuradoria Regional do Trabalho da 19ª Região/AL, Integrante do Núcleo de Combate as Desigualdades nas Oportunidades de Trabalho em Alagoas, Colaboradora e Consultora voluntária da Rede Saci – Solidariedade, Apoio, Comunicação e Informação às pessoas com deficiência e Professora Virtual de Direito do Trabalho e residiu toda infância e adolescência em União dos Palmares, a terra de Zumbi.

Foto: Casa de Iemanjá, Ponto de Cultura localizado na Ponta da Terra, em Maceió/AL.

Por Rita Mendonça (outubro/2006).

Artigo: Pessoas com deficiência - "embaixo do sol", o que há nas leis que lhes garanta a dignidade e o respeito aos direitos humanos.


PESSOAS COM DEFICIÊNCIA:
"Embaixo do sol", o que há nas leis
que lhes garanta a dignidade e o respeito aos direitos humanos

Primeiramente, muito embora o termo pessoa portadora de deficiência (bem como a respectiva sigla – PPD), esteja presente em quase todos os nossos instrumentos jurídicos, inclusive a Constituição Federal, deve ser evitado.

Os estudiosos das questões afeitas às pessoas com deficiência orientam para que se denomine, apenas, “pessoa com deficiência”. Esclarecem que “portar” seria expressão equivocada. Que se “porta” bolsa, celular, carteira, ou outro acessório que se faz possível retirar, ao sabor da vontade do portador. Com a deficiência, isso não é possível, o que torna o termo impróprio.

O Brasil é um dos países mais avançados no que respeita a legislação relativa à pessoa com deficiência.

Destaquemos, primeiramente, os dispositivos contidos na Constituição Federal de 1988, que lhes confere ampla proteção (art. 1º, IV; art. 3º, III e IV; art. 5º; art. 7º, XXXI; art. 37, VIII; art. 170, VII e VIII; art. 203, IV e V; art. 208, III; art. 215; art. 217, §3º; art. 227, §1º, II; art. 244).

Há mais de 25 anos vem sendo intensamente discutida, perante organismos internacionais como a ONU – Organização das Nações Unidas – e a OIT – Organização Internacional do Trabalho – as questões relativas à inclusão social da pessoa com deficiência.

A Carta das Nações Unidas e a Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1948, já se preocupavam com a questão da igualdade para todos indistintamente. É claro que são instrumentos aplicáveis às pessoas com deficiência. Mas o ano de 1981, proclamado pelas Nações Unidas como o “Ano Internacional das Pessoas Deficientes”, abre uma fase de intensas discussões internacionais acerca das condições de vida, acessibilidade e inserção no mercado de trabalho dessas pessoas.

Destaquemos as Resoluções 37/52 e 37/53, de 3 de dezembro de 1982, da Assembléia Geral da ONU, cujos propósitos foram os de promover, respectivamente, o programa de Ação Mundial para Pessoas com Deficiência e a proclamação da Década das Nações Unidas para as Pessoas com Deficiência.

No mundo moderno há um número expressivo de pessoas com deficiência, devido as mais diversas causa, entre elas as guerras, as doenças, a violência, a pobreza, os acidentes etc.

A cifra estimada é de que são 600 milhões de pessoas com deficiência em todo o mundo. Na maioria dos países, pelo menos uma em cada dez pessoas tem uma deficiência física, mental ou sensorial. Estima-se que no mínimo 350 milhões de pessoas deficientes vivam em zonas que não dispõem dos serviços necessários para ajudá-las a superar as suas limitações.

No Brasil, segundo a ONU, 10% (dez por cento) da população possui algum tipo de deficiência. Em nosso País, o Censo 2000 assentou que 14,5% da população possui algum tipo de deficiência, o que corresponde a 24,5 milhões de pessoas (mais precisamente, 24.537.984 PPD’s), das quais 15,14 milhões têm idade e condições de integrarem o mercado formal do trabalho. De acordo com dados divulgados pela OIT, o desemprego entre as pessoas com deficiência com idade para trabalhar é extremamente maior do que para as pessoas ditas “normais”, podendo chegar a 80% em alguns países em desenvolvimento.

Sensível a essa problemática, o Brasil, como no resto do mundo, ante o crescente desemprego, com conseqüências mais graves ainda, quando se trata de pessoas com deficiência ou trabalhadores reabilitados, que via de regra necessitam de condições especiais para o desempenho satisfatório de suas funções, cuidou, através de lei, de estabelecer “reserva de mercado” em seu benefício, consignando no art. 93, da Lei n.º 8.213/91 (Plano de Benefícios da Previdência Social) que:

A empresa com 100 (cem) ou mais empregados está obrigada a preencher de 2% (dois por cento) a 5% (cinco por cento) de seus cargos com beneficiários reabilitados ou pessoas portadoras de deficiência habilitadas na seguinte proporção:
I - até 200 empregados 2%
II - de 201 a 500 empregados 3%
III - de 501 a 1000 empregados 4%
IV - de 1001 em diante 5%

Tal dispositivo, com esta sinalização, em boa hora veio abraçar as pessoas com limitações físicas, mentais ou sensoriais, habilitadas e aptas para o labor, garantindo para as mesmas - como garante o nosso ordenamento jurídico para qualquer cidadão - o direito social ao trabalho.

Infelizmente, o mandamento permaneceu adormecido e apenas a partir de 1999 passamos a perceber as primeiras movimentações no sentido de lhe dar cumprimento efetivo. É que somente ao final de 1999 a questão da inserção ficou melhor esclarecida, com a edição do Decreto n.º 3.298, de 20/12/99, que dedicou sua Seção IV para tratar justamente do acesso das pessoas com deficiência ao mercado de trabalho. Em seu art. 36, o mencionado decreto reiterou o já contido na Lei n.º 8.213/91 e expôs com mais precisão a questão da inserção.

De forma inovadora, o decreto estabeleceu em seu art. 36, § 1º, que a pessoa com deficiência contratada só poderá ser dispensada após a contratação de substituto em condições semelhantes. Com isso não buscou proporcionar estabilidade a essas pessoas em seus cargos, mas a reserva da vaga, do posto de trabalho conquistado, obstando qualquer intenção de empregadores menos escrupulosos de efetuarem um cumprimento inicial da lei, para mostrarem adaptação aos órgãos fiscalizadores, e num momento posterior gradativamente eliminarem essas pessoas de seus quadros.

Também é de se destacar a Instrução Normativa n.º 20/2001, do Ministério do Trabalho e Emprego, que dispõe sobre os procedimentos a serem adotados pelos Auditores Fiscais do Trabalho, quando da fiscalização do trabalho das pessoas com deficiência nas empresas. Determina que não pode ser considerado relação de trabalho a ser abatida na cota legal, em nenhuma hipótese, o trabalho realizado por pessoas com deficiência em oficinas terapêuticas e, quando ausentes os requisitos caracterizadores de vínculo empregatício nos moldes celetistas (art. 3º, CLT), o trabalho realizado em oficinas de produção.

E também não é de se considerar parte da cota a que a empresa se encontra obrigada, as pessoas contratadas por meio de terceirização. Nesse caso, as pessoas com deficiência podem muito bem ter o número abatido do percentual a que estejam obrigadas as empresas prestadoras de serviços que possua mais de 100 empregados, mas nunca da tomadora dos serviços, uma vez que não compõem seus quadros e não são seus efetivos empregados.

Outra importante questão tratada na mencionada Instrução Normativa é de que o percentual a ser aplicado, previsto na legislação, deverá incidir sobre o número total de trabalhadores do empreendimento, quando se tratar de empresa com mais de um estabelecimento. Isto é de fundamental importância, pois aplicado o percentual da lei sobre o número de empregados de cada estabelecimento, individualmente, se encontra número muito aquém do que se alcançaria se considerado o grupo econômico.

Atualmente, o Ministério Público do Trabalho o Ministério Público Federal, o Ministério do Trabalho e Emprego e o Ministério da Justiça, dispõem de coordenadorias, conselhos ou setores específicos para tratar das questões relativas às pessoas com deficiência, tamanho o despertar para a causa.

Diversas unidades da federação criaram núcleos de trabalho, compostos dos mais diversos órgãos e entidades comprometidas com a inclusão social da pessoa com deficiência (Ministério Público do Trabalho, Ministério Público Estadual, Ministério do Trabalho e Emprego, Instituto Nacional da Seguridade Social, Secretarias Estadual e Municipal de Assistência Social, de Educação e da Saúde, SINE, entidades do sistema “S”, associações representativas das pessoas portadoras de deficiência, as próprias pessoas da comunidade etc.). Atualmente, os mencionados Núcleos de Combate a Discriminação nas Oportunidades de Trabalho estão sob a direção do Ministério do Trabalho e Emprego, porque é ele quem coordena, também, o Programa Brasil Gênero e Raça, que foi o programa de governo que exigiu a criação desses grupos estaduais de discussão e combate às mais diversas formas de discriminação (negros, índios, idosos, mulheres, homossexuais etc.).

Todo Estado possui, então, seu núcleo de trabalho que funciona sob a coordenação da Delegacia Regional do Trabalho. Estados maiores mantêm mais de um núcleo, funcionando também em suas Sub-Delegacias, conforme as peculiaridades da região e as dimensões territoriais, isso com o intuito de que os estudos e medidas do núcleo sejam efetivamente direcionados a realidade e as particularidades das comunidades onde efetivamente estão instalados, dada as diversidades regionais de um país como o Brasil.

Neste ponto do estudo acho por bem relembrar que tais medidas não são fruto da bondade de nossos dirigentes políticos e empresariado, mas exigência dos organismos internacionais, que por meio de seus instrumentos de adesão, obrigam os países signatários a adotarem medidas, em seu território, que viabilizem a execução dos planos a que se comprometeram. E que quem subscreve documento internacional (tratados e convenções) e não dá efetivo cumprimento a seus preceitos, sofre embargo internacional, inclusive econômico.

Exemplificando, para ficar mais claro: em meu Estado (Alagoas) as indústrias do setor sucroalcooleiro se esforçam bastante para não terem mais crianças trabalhando no corte da cana-de-açúcar. Assim, conquistam o selo Abrinq e tem as portas do mercado internacional abertas para o seu produto, já que suas empresas demonstram, com o selo, que estão cumprindo sua função social. Entenderam o “pulo do gato”?

De acordo com a RAIS – Relatório Anual de Informações Sociais –, no Brasil existem 31.979 estabelecimentos com mais de cem empregados. Se todos cumprissem a reserva legal, seriam gerados 559.511 postos de trabalho a serem ocupados pelas pessoas com deficiência. Lamentavelmente, número suficiente para empregar apenas 3,7% das 15,14 milhões em idade adequada e com condições para o trabalho. Portanto, necessário que a inserção da pessoa com deficiência no mercado de trabalho seja conseqüência natural da superação do preconceito e efetuada de forma natural, e não somente até que se atinja determinado percentual previsto em lei, que consoante demonstrado, não atenderá a todo o universo de pessoas especiais aptas ao trabalho.

Muitas pessoas com deficiência são friamente eliminadas da possibilidade de uma participação ativa na sociedade, em razão de obstáculos materiais que, à propósito, já deviam ter sido eliminados por força do disposto nos arts. 227, §2º, e 244, da CF/88, art. 2º, V, ‘a’, da Lei n.º 7.853, de 24/10/89, bem como a Lei n.º 10.098, de 19/12/2000, que trata especificamente da questão, estabelecendo normas gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade das pessoas com deficiência de mobilidade reduzida, determinando a supressão de barreiras e obstáculos nas vias e espaços públicos, no mobiliário urbano, na construção, na reforma de edifícios, nos meios de transporte e de comunicação.

No ambiente de trabalho, através de uma aplicação mais ampla dos princípios ergonômicos, é possível a adaptação, a um custo reduzido, do local de trabalho, das ferramentas, do maquinário e do material, ajudando a aumentar as oportunidades de emprego para as pessoas com deficiência. Em outros casos, sequer isso é necessário, eis que essas pessoas se superam e desenvolvem formas diferenciadas de exercerem suas funções, sem necessidade alguma de modificação do posto de trabalho e sem que haja constatação de queda na produção.

Por fim, merece destaque a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, documento elaborado em agosto deste ano, em Nova Iorque, nas Nações Unidas, após cinco anos de negociações, entre 192 países (cerca de 200 representantes de delegações governamentais e 800 representantes de ONGs). Este é o primeiro tratado aprovado na área de direitos humanos do século XXI.

A convenção é composta de 42 artigos. Com exceção de um artigo, que foi a votação (o artigo sobre situações de risco. Dos 115 países presentes na hora da votação, 102 votaram a favor e 8 se abstiveram. Apenas 5 votaram contra) os demais foram fruto de negociação, o que demonstra a maturidade das civilizações em relação ao reconhecimento dos direitos das pessoas com deficiência. Agora, o documento será revisto por juristas e traduzido nas línguas oficiais da ONU, para aprovação em Assembléia Geral e posterior ratificação pelos países.

Basicamente, não foram garantidos novos direitos, mas reafirmados e esmiuçados os já existentes. Foram estabelecidos três pilares fundamentais: 1) proibição de todo tipo de discriminação (direta e indireta); 2) adoção de políticas ativas (discriminação positiva); e, 3) participação das pessoas com deficiência (por meio de suas associações representativas), nos processos de definição, planejamento, execução, supervisão das políticas que lhe digam respeito.

Demais disso, dá destaque as seguintes questões: 1) garantia da capacidade legal à pessoa com deficiência (que se torne possível às pessoas com deficiência expressarem suas necessidades pessoalmente, e não fazê-lo por meio de curador); 2) proibição de tratamentos forçados, sendo considerada violência contra os direitos humanos das pessoas com deficiência os tratamentos, a administração de medicações e a submissão a esterilização sem o seu consentimento; 3) cronograma razoável para a superação das barreiras arquitetônicas; 4) educação inclusiva, com as necessárias mudanças no sistema educacional geral; 5) necessidade de visibilidade do indígena com deficiência (ou pessoas que vivem em zona rural ou lugar ermo); e, 6) o reconhecimento de que mulheres e crianças com deficiência enfrentam barreiras adicionais (discriminação múltipla, pois são mais vulneráveis a violência doméstica e às situações de risco).

Ah, meus queridos, eu estou fazendo o curso de LIBRAS, a Linguagem Brasileira de Sinais! Ao contrário do que parece, é muito fácil aprender. Diria, mesmo, divertido! As associações e entidades representativas de pessoas com deficiência, em geral, oferecem o curso gratuitamente. Se tiverem um tempinho, vale a pena, viu?

Algum de vocês já viu o hino nacional em linguagem de sinais? É lindo de arrepiar!!!

Dignidade! O guardião da cidadania.

Dr. Alpiniano do Prado Lopes

Exemplo de ser humano. Exemplo de profissão.

O nosso Doutor Cidadania!
Entrevista
Alpiniano, o Grande
O Procurador do Trabalho fala de sua passagem por Alagoas
A Procuradoria Regional do Trabalho em Alagoas existe desde de 1992, mas foi a partir de 1996 que começou a ser conhecida em todo Estado. Naquela ocasião, o grande e único responsável pela guinada foi Alpiniano do Prado Lopes. Sozinho, ele esteve à frente de ações importantes, como o combate aos municípios que vinham pagando salário inferior ao mínimo e contratando servidores sem concurso público.

Com o tempo, as batalhas foram sendo vencidas, e os governantes, aos poucos, foram se redendo, mesmo que a contragosto, aos mandamentos da Constituição Federal. As vitórias e a coragem de Alpiniano Lopes mostravam que era possível enfrentar problemas que, há anos, estavam arraigados na cultura política e social de Alagoas. Novos soldados foram entrando nesta luta contra as irregularidades trabalhistas. Muitos procuradores foram para o fronte, e a PRT passou a ser referência nacional dentro do Ministério Público do Trabalho.
Maior apenas que a regional de Sergipe, a PRT de Alagoas passou a figurar como uma das mais ativas do país, guardadas as devidas proporções com seu quadro de pessoal. Ganhou credibilidade em todo o Estado e respeitabilidade dos trabalhadores. Reconhecimento e adimiração retratada um pouco na homenagem feita pelos ex-funcionários da empresa de Transporte São Luiz, ocorrida no último dia 13, data do aniversário de Alpiniano Lopes. Ele que, desde de maio, pediu remoção para Goiania/GO, foi o grande homenageado da festa. E foi com esse lutador incansável que, como já disse um jornalista local, tirou a PRT do ostracismo, que fizemos a seguinte entrevista:

Há quem atribua sua saída de Alagoas a perseguições e ameaças. Isso de fato ocorreu?

Alpiniano – A razão de minha saída nada tem a ver com perseguições e ameaças de jeito nenhum. Em verdade, a minha saída diz respeito à necessidade de convivência com os familiares de minha esposa que moram em Brasília e ela sempre reivindicava uma maior convivência com suas irmãs. Por outro lado, meus pais, que moram o interior da Bahia, também cobravam uma maior proximidade, pois a distância de Maceió a Angical-BA, aliada às péssimas condições da Rodovia 242 (Feira de Santana a Barreiras-BA), dificultavam tal convivência. Creio, portanto, que os valores de família devem ser preservados e não podemos simplesmente abandonar nossas origens e, principalmente, nossos pais quando estão ficando mais velhos e necessitam de nossa atenção.

Mas, em algum momento, o senhor foi ameaçado ou se sentiu ameaçado?

Alpiniano – As ameaças não são diretas, mas veladas. Nunca alguém chegou e disse com todas as letras que fariam isso ou aquilo. Porém, as próprias pessoas prejudicadas, fossem trabalhadores (contratados irregularmente pelos órgãos públicos), políticos ou empresários (que respondiam a algum inquérito ou ação judicial), sempre faziam questão de questionar se eu era de fora, lembrar que estávamos em Alagoas e que, nesse Estado, as coisas são diferentes. Outros, não os beneficiados pela atuação, diziam para ter cuidado, pois, eles entendiam o trabalho que estava sendo realizado, porém, frisavam que muitos não teriam nada a perder, e, portanto, eu deveria ter cuidado...

Sofreu alguma pressão política? No caso dos prestadores de serviço da saúde, por exemplo?

Alpiniano – Felizmente o cargo de membro do Ministério Público – procurador do Trabalho, no caso – é cercado de garantias, como a inamovibilidade [direito de não ser removido, salvo a pedido], a irredutibilidade de vencimentos (hoje subsídios) e vitaliciedade, que, aliados ao princípio institucional da independência funcional, permitem que o procurador do Trabalho possa ter uma atuação independente e eficaz, sem temer represália ou pressão política. É certo que é possível ao político utilizar de meios de pressão ou outra forma de minorar a atuação do Ministério Público, como utilizar a imprensa, se apresentando como defensor dos trabalhadores de forma a colocar a opinião pública contra o Ministério Público. Nesse caso não funcionou, uma vez que a imprensa ficou do lado da Procuradoria Regional do Trabalho, tendo prestado um bom serviço de informação à população e esclarecendo os fatos.

E no caso da Assembléia Legislativa?

Alpiniano – Bom, nesse caso logicamente que a pressão foi maior, pois até hoje jamais houve concurso na Assembléia Legislativa e interessa a grande maioria dos que ali atuam que assim permaneça, uma vez que é uma forma de permanecer no poder, de acomodar apadrinhados e cabos eleitorais em função de assessores, pagos pelos cofres públicos, sob a falsa legalidade de cargos em comissão. Aí sim, houve visitas de deputados que não buscavam resolver a questão de maneira a realizar concurso público e moralizar o serviço público, mas buscando deixar tudo como estava ou encontrar uma alternativa que não fosse o concurso público. Mas, ameaça direta não houve, o que houve foi sonegação de informações, protelação, negativa de respostas, informações apresentadas de forma incompleta...

Como anda esse processo contra a ALE? O senhor tem esperança de que o problema se resolva?

Alpiniano – Após três anos de tramitação somente na primeira instância, no mês de fevereiro último, a ação foi julgada procedente pela 4ª Vara do Trabalho determinando o afastamento dos trabalhadores irregularmente contratados. Porém, a ALE interpôs Embargos Declaratórios, tendo a Juíza Titular da Vara complementado a sentença de forma a que o cumprimento da obrigação somente pode ser exigido após o trânsito em julgado. Certamente que isso trouxe uma grande frustração a este membro e creio que à própria sociedade, até porque a legalidade militava em favor da sociedade, que quer o concurso público e não em favor de quem está ocupando o cargo/emprego público indevidamente. Houve aí, uma inversão de valores. Dessa decisão apresentamos Recurso Ordinário para o Egrégio TRT da 19ª Região que, espero, restabeleça o direito, determinando o afastamento imediato de todos os contratados sem concurso público. Não podemos ter compromisso com apadrinhamentos, mas com a democracia e a igualdade de oportunidade.

O senhor chegou em Alagoas em 1996. Quais os principais problemas trabalhistas existentes naquela época aqui no Estado?

Alpiniano – As usinas de açúcar e álcool, na sua grande maioria, assim como outros ramos de atividade, não anotavam a CTPS dos trabalhadores, o que implicava em negar todo e qualquer direito ao trabalhador (à exceção do salário do mês), não se fornecia os equipamentos individuais de segurança aos trabalhadores, os municípios não pagavam sequer o salário mínimo (havia salário de até 10% do salário mínimo mensal), os órgãos públicos não faziam concurso público (Estado, municípios, empresas públicas, sociedade de economia mista, fundações e autarquias), as empresas não cumpriam a cota no que diz respeito aos portadores de deficiência. Devido ao pequeno número de Procuradores até então, a atuação como órgão agente era bastante limitada, havendo, inicialmente uma atuação mais voltada para a de órgão interveniente (emissão de parecer nos processos judiciais e recursos para o TST).

E o que mudou? Quais os avanços?

Alpiniano – Certamente que houve avanços, não na proporção que gostaríamos, mas muita coisa mudou. Os municípios passaram a pagar salário não inferior ao mínimo legal (após a propositura de quase uma centena de ações civis públicas), o que implicou na necessidade de enxugamento dos seus quadros e quebrou a espinha dorsal do nepotismo e do apadrinhamento, uma vez que foi necessário limitar o número de trabalhadores admitidos pelos Municípios. As usinas de açúcar e álcool, de uma forma geral, passaram a anotar a CTPS dos trabalhadores e a fornecerem EPIs (certamente que não podemos afirmar que não haja mais trabalho clandestino). Lógico que após muitos inquéritos e algumas ações civis públicas. Ainda é possível encontrar trabalhadores sem registro na CTPS, mas é numa proporção bastante pequena se levarmos em conta a situação anterior que era generalizada. Outro grande avanço foi a realização de concursos públicos pelo Estado de Alagoas em diversas áreas, nas autarquias, nas empresas públicas e nos municípios, o que é uma conquista do povo alagoano, notadamente, daquelas famílias mais carentes e que não possuíam um padrinho político, o que também vem garantir o estado democrático de direito e premiar o cidadão que estuda, se esforça, e tem capacidade de exercer uma função pública, ao contrário do passado, quando o critério de admissão era meramente político e de amizade. No que se refere ao portador de deficiência ou pessoa com necessidades especiais, houve um grande avanço na medida em que as empresas aceitaram celebrar termo de compromisso para garantir o cumprimento da cota das PPDs.

Quais as dificuldades encontradas no enfrentamento desses problemas?

Alpiniano – O cumprimento da lei implica sempre em incremento nos custos das empresas e, se a atuação não for firme, certamente que o empresário não cumpre a legislação. Houve dificuldade inicial com o pequeno número de procuradores do Trabalho para cobrir todo o Estado de Alagoas, o grande volume de trabalho que levava a um esforço maior por parte dos servidores, somada à resistência de alguns setores que não aceitavam, de forma pacífica, cumprir a lei, como no caso da Assembléia Legislativa que levou anos para fornecer a documentação (somente o fazendo após encaminhamento de representação penal ao Ministério Público Federal e ajuizamento de ação cautelar de exibição de documentos, ação civil pública e a mudança na sua direção). Os prefeitos, inicialmente, não entendiam a nossa atuação em relação ao salário mínimo e à exigência de concurso público chegando a se referir à minha pessoa como sendo inimigo dos municípios, o que nada tem a ver com a verdade, pois, inimigo era quem dilapidava o seu patrimônio pagando salário a quem não trabalhava e não quem buscava acabar com a indústria do empreguismo que resultava em futuros precatórios. Por outro lado, em relação às pessoas portadoras de deficiência havia um certo preconceito das empresas que teimavam em não cumprir a cota prevista no art. 93, da Lei 8.213/91.

E os grandes grupos econômicos de Alagoas. Como reagiram à sua atuação?

Alpiniano – Os grandes grupos no Estado de Alagoas estão resumidos quase que exclusivamente na produção de açúcar e álcool, ou seja, são apenas os usineiros e que, de uma forma geral, não colocaram muita oposição à nossa atuação. Logicamente que foi um processo bastante longo de negociação. Contamos com o apoio da Delegacia Regional do Trabalho, grande parceira no combate ao trabalho clandestino e na questão do meio ambiente de trabalho. Creio que os empresários assimilaram bem a atuação da Procuradoria Regional do Trabalho, até por que, nos casos em que não se chegou a um acordo administrativo, a Justiça do Trabalho respondeu bem ao pleito da PRT na grande maioria dos casos.Além dos municípios, quais os órgãos públicos tiveram que fazer concurso?Alpiniano – Vários, valendo citar principalmente o Departamento Estadual de Trânsito – DETRAN, a extinta COBEL (atual SLUM), o Estado de Alagoas (Poder Executivo), o Tribunal de Justiça de Alagoas, a FUNESA, a CASAL, os Serviços Autônomos de Água e Esgoto – SAAE (Barra de Santo Antônio, União dos Palmares, Marechal etc), a FUNGLAF, dentre outros.O Ministério Público Estadual nunca fez concurso para servidor. Como o senhor vê o fato de o “fiscal da lei” descumprir a Constituição?Alpiniano – Esta é uma situação bastante delicada e preocupante, pois é necessário que possamos dar o exemplo para podermos cobrar dos outros. Sabemos da grande dificuldade do Ministério Público Estadual no que se refere ao seu quadro de pessoal e a verba que lhe é destinada para manutenção e funcionamento. Porém, a situação não é muito diferente nos demais órgãos. A grande maioria dos Promotores de Justiça não possui sequer um assistente, ficando na dependência dos municípios ou do Poder Judiciário, pelo que não há, na prática, a autonomia que a Constituição Federal buscou outorgar a esse órgão. Esse ponto foi a nossa grande frustração, uma vez que não conseguimos, de forma amigável, que o MPE realizasse concurso público o que enfraquece a nossa atuação e põe em cheque o papel do Ministério Público Estadual, que também é o guardião da Constituição e necessita dar o exemplo.

Em sua opinião, o MPE tem atuado como deveria?

Alpiniano – Evitarei fazer uma crítica direta à instituição, uma vez que há promotores de Justiça que cumprem o seu papel com bastante dignidade e, em respeito a esses, deixarei de responder a essa pergunta da forma que foi questionada. Entretanto, não é desconhecido de ninguém que, em diversas oportunidades, cheguei a criticar a atuação do MPE em relação à postura da instituição no que diz respeito aos crimes de improbidade administrativa em decorrência de admissão de pessoal sem concurso público, uma vez que o MPT fazia a sua parte exigindo o afastamento do servidor contratado sem concurso público e garantindo a oportunidade de ingressar no serviço público a todos os cidadãos que preenchessem os requisitos da lei, porém, não víamos condenação do administrador público improbo que é atribuição do MPE.

Na maioria das condenações contra prefeituras, o ônus recai sobre o Município. Por que nenhum prefeito até hoje não foi processado por contratar servidores sem concurso?

Alpiniano – Na verdade, há condenação de prefeitos em decorrência da admissão de pessoal sem concurso público, com afastamento do cargo. A questão é que, quase sempre, na ação de improbidade administrativa, há outros motivos que acabam sendo levando em conta como mais relevantes, questão esta decorrente do fato de o costume ter transformado o ato de improbidade por admissão de pessoal sem concurso público em algo comum, banal. Alguns prefeitos, na gestão passada, foram afastados do cargo em decorrência da atuação do MPE, porém, a grande maioria, sequer, foi denunciada. Praticamente todos os prefeitos e administradores públicos admitiram pessoal sem o necessário concurso público. E para resolver a questão seria necessária uma devassa geral, sem protecionismo e sem preocupação com a repercussão política. Seria, portanto, necessária uma limpeza quase que geral. Por outro lado, a morosidade da justiça leva à prescrição de punibilidade na maioria dos casos.

Enquanto muitos ficaram felizes com seu trabalho, outros tantos estavam insatisfeitos, principalmente os que perdiam o emprego. O senhor acha que deixou mais amigos ou inimigos em Alagoas?

Alpiniano – Creio que mais amigos, pois onde quer que eu vá tenho recebido bastante manifesto de apoio, notadamente dos cidadãos livres. Isso, porém, não é motivo de preocupação para mim, pois tenho convicção de que o papel de fiscal da lei é, por excelência, antipático, na medida em que não é possível agradar a todos quando se exerce a função na sua essência. Quanto àqueles que, em tese, foram prejudicados em decorrência de nossa atuação frente ao Ministério Público do Trabalho em Alagoas, não tenho grande preocupação, uma vez que o MPT não pode ter compromisso com apadrinhamento, compadrio, corporativismo, favorecimento, empreguismos etc. e os prejudicados foram exatamente essas pessoas. O compromisso do membro do Ministério Público tem que ser apenas com a lei. É lógico que o afastamento de um pai ou uma mãe de família nos atingem e sofremos com o fato, porém, isso não pode impedir que atuemos de forma a fazer cumprir a lei, independentemente de quem será atingido, até porque o concurso público não proíbe que o atingido também concorra e, se estiver preparado, permaneça no serviço público, dessa feita entrando pela porta da frente e não mais pela janela.

Como o senhor vê essa homenagem dos trabalhadores da ex-empresa de Transportes São Luiz?

Alpiniano – Foi um momento emocionante e de reconhecimento de pessoas humildes que tiveram o seu direito desrespeitado, uma vez que a empresa encerrou as suas atividades sem nada pagar aos 110 trabalhadores no ano de 1999, e que tivemos a felicidade de restitui-lo com muita luta, dedicação e afinco, enfrentando grandes percalços. É certo que apenas cumprimos o nosso papel, mas os trabalhadores acharam que houve uma dedicação acima da normal, diante dos diversos atropelos ocorridos no processo. Também a própria demora do processo restou por estabelecer um vínculo não só com este membro, mas também com diversos servidores da PRT; daí terem nos convidado para participarmos de sua festa em comemoração à grande vitória obtida, afinal receberam em torno de R$ 600 mil.

Por que, além do senhor que é homenageado, nenhuma autoridade compareceu ao evento?

Alpiniano – Desconheço as razões das pessoas, uma vez que há grande subjetividade na questão. Não vejo qualquer problema em comparecer a um almoço oferecido por trabalhadores que estavam felizes com a vitória obtida, após anos de luta e espera, e gostariam de prestar uma simples homenagem a um membro do Ministério Público que já havia deixado o Estado, convidando os demais como seus pares e colegas. Por uma questão de justiça duas autoridades justificaram a sua ausência. A doutora Virgínia Gonçalves, devido a viagem do seu esposo ao Estado de Pernambuco, e também a Juíza Helena e Mello que apresentou justificativas plausíveis e encaminhou correspondência justificando a sua ausência, o que não ocorreu com os demais convidados. Porém, é certo que foi demonstrada preocupação por determinados membros que acharam não ser conveniente o comparecimento, ao que argumentei não haver problema em aceitar participar da festa, uma vez que se tratam de trabalhadores, em relação aos quais é função institucional do MPT fazer respeitar os direitos e que a preocupação seria se a homenagem fosse prestada por empresas, pois, em relação a elas, temos o dever de investigar. Desconheço as verdadeiras razões das autoridades convidadas que não compareceram, provavelmente o homenageado não era digno de suas presenças.

O senhor acredita que, se fosse um grupo econômico local que fizesse a homenagem, seria diferente, ou seja, outras autoridades compareceriam?

Alpiniano – Olha é difícil dizer, até porque a resposta seria bastante subjetiva... As razões de não comparecimento podem não ser as mesmas para cada pessoa... Certamente muitas compareceriam.

Por falar em homenagem, o Tribunal Regional do Trabalho em Alagoas homenageia periodicamente algumas personalidades locais. Entre elas, políticos e empresários. Como o senhor vê essa relação entre Justiça do Trabalho, política e economia?

Alpiniano – Em verdade não é somente o TRT Alagoas que presta esse tipo de homenagem, mas todos os Tribunais, o Poder Executivo e o Poder Legislativo. O inconveniente desse tipo de homenagem é que, como cada membro do Poder pode indicar um certo número de pessoas para serem homenageadas, corre-se o risco de indicar pessoas comprometedoras. Vejam o caso do Valdomiro Diniz, do Delúbio Soares, do Marcos Valério, dentre outros, até pouco tempo eram pessoas do mais alto conceito na sociedade e poderiam muito bem ter recebido homenagem de algum Tribunal, até porque estavam no Poder e podiam prestar certos serviços a um dos poderes, como de fato prestavam. A questão é a origem dos recursos. Não há como controlar e idoneidade de uma autoridade, político ou empresário. Haverá sempre o risco de haver constrangimento após a homenagem...

O fato de o senhor não ser alagoano ajudou no seu trabalho?

Alpiniano – Certamente que sim. Quando trabalhamos na nossa própria terra e buscamos fazer um trabalho mais profundo, principalmente no que diz respeito à moralidade pública, há sempre a possibilidade de nos depararmos com um familiar ou um amigo próximo nosso e de nossos familiares. Quando não temos os laços familiares e de amizade mais profundas existe a possibilidade de agir com mais impessoalidade.

O senhor acredita que é mais difícil para a autoridade coibir as irregularidades em sua própria terra, uma vez que, freqüentemente, elas pertencem a alguma família influente ou possuem vínculos políticos?

Alpiniano – Mais difícil certamente que é, mas não é um fator intransponível, uma vez que, quando nos deparamos com uma situação dessa, há o recurso de nos declararmos impedidos e o procedimento ser encaminhado a outro membro que, não tendo os laços familiares e de amizade, pode agir com todo o rigor na defesa da lei. É aí que entra a grande importância dos princípios da independência funcional e da unidade do Ministério Público.

O senhor também desenvolveu ações voltadas para os trabalhadores portadores de deficiência. Quais os resultados colhidos?

Alpiniano – De início os resultados foram bastante animadores, pois apesar da resistência de alguns empresários em cumprirem a cota referente à reserva de vagas no mercado de trabalho para a pessoa portadora de deficiência – PPD, conseguimos, através do Núcleo de Combate à Discriminação de Oportunidade no Trabalho (PRT, DRT, INSS e entidades que trabalham com as PPDs), abrir mais de seis mil vagas para essas pessoas, num mercado até então inexistente. A grande decepção foi não conseguirmos preencher tais vagas, diante da falta de qualificação das pessoas. Foram preenchidas pouco mais de mil vagas. Há a necessidade de um maior engajamento dos governos Federal, Estadual e Municipal para que invistam na qualificação da mão-de-obra e, principalmente, na educação formal das pessoas portadoras de deficiência. Infelizmente não é privilégio das PPDs, no Estado de Alagoas, a falta de estudos, pois uma grande parte dos cidadãos é analfabeta ou possui pouco estudo, pelo que necessita haver um maior investimento na educação em geral, além de garantir o acesso as PPDs à escola.

E o trabalho infantil. Quais foram as ações efetivadas?

Alpiniano – Essa é uma luta que necessita ser permanente, uma vez que está arraigada na sociedade a cultura de que o homem se forma no trabalho. É certo que o homem se forma na escola e o trabalho vem depois como uma forma de sobrevivência e de engrandecimento pessoal e social. Temos também a questão da pobreza que leva os pais a permitirem que os filhos deixem as escolas e busquem a sobrevivência nas ruas, nos semáforos e logradouros públicos, nesse caso somente é possível o combate através de políticas públicas de compensação, como é o caso do PETI. Dentre as ações da PRT e do Fórum Estadual para Erradicação do Trabalho Infantil e Proteção do Trabalhador Adolescente, creio que as ações mais efetivas dizem respeito à erradicação do trabalho infantil no corte de cana-de-açúcar, a retirada de crianças e adolescentes da cultura do fumo na região de Arapiraca e a efetivação dos cursos de aprendizagem do SENAI e do SENAC, aqui com a efetiva participação da DRT, através do Dr. José Gomes e da Dra. Marinilda Verçosa. O acompanhamento da regularidade do PETI, em vários municípios, também pode ser incluído como ação efetiva. A dificuldade maior foi em relação aos menores nas ruas de Maceió, pois, apesar do Termo de Compromisso celebrado, não houve, efetivamente, a retirada dessas crianças e adolescentes. Muito está por fazer.
Entrevista concedida a Bob Omena, do www.observatorioalagoano.com

Exposição Virtual Permanente.



"Não procure nada atras de meus quadros...
Atras de meus quadros há uma parede".
(autor desconhecido).
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Pintura feita por Emanuel Galvão, com nescafé e anilina de bolo, em 1991.
Foto: Rita Mendonça (Outubro/2006)

terça-feira, 28 de novembro de 2006

Artigo: Obtenção de certidões em órgãos públicos - dever da administração - direito do cidadão.


ARTIGO
OBTENÇÃO DE CERTIDÕES EM ÓRGÃOS PÚBLICOS:
DEVER DA ADMINISTRAÇÃO – DIREITO DO CIDADÃO

Rita de Cássia Tenório Mendonça*

A timidez da autoridade é tão prejudicial quanto o abuso do poder. Ambos são deficiência do administrador, que sempre redundam em prejuízo para a administração. O tímido falha, no administrar os negócios públicos, por lhe falecer fortaleza de espírito para obrar com firmeza e justiça nas decisões que contrariem os interesses particulares; o prepotente não tem moderação para usar do poder nos justos limites que a lei lhe confere. Um peca por omissão; outro, por demasia no exercício do poder. (Meirelles, 2000, p. 160-161).


1. INTRODUÇÃO

Quem nunca enfrentou resistência por parte de um servidor público, quando tentou usufruir de sua “sagrada” garantia constitucional, de obtenção de certidões para a defesa de direitos e esclarecimentos de situações de interesse pessoal, “que atire a primeira pedra”.

Lamentavelmente, no serviço público, a regra é que primeiramente se oponham obstáculos infundados à expedição de certidões. Para este fim, a burocracia é orquestrada com determinação, impondo-se tortuoso trâmite legal – geralmente dispensável – trazendo desânimo a quem necessita de documento.

Difícil determinar exatamente o porquê desta malsinada prática. O fato é que grande parcela dos agentes da administração pública obstaculiza ao máximo este direito fundamental, que podemos considerar corolário do Estado Democrático, descaracterizando, com esse proceder, a própria razão de existir do instituto.

Vê-se servidores negando peremptoriamente sua parcela de poder e a fé pública afeita a seus cargos, sob argumentos vazios, do tipo “somente a mais alta autoridade do órgão pode conferir fé a documentos públicos” ou “este documento é sigiloso”.

A população, nesses momentos, fica insegura para reivindicar seus direitos ou mesmo exigir esclarecimentos mais consistentes para a negativa que amargamente recebem. Afinal, necessitando de determinada certidão, teme que entabulando discussão mais acirrada com servidor que se coloca já na recepção ou balcão de atendimento de um órgão público, vá por terra a possibilidade de acesso a autoridade responsável pelo órgão, geralmente apontada como a única capaz de lhe fornecer o documento.

Desconhecimento das prerrogativas de sua função? Receio de extrapolar suas atribuições? Desconforto em entremear suas repetitivas atividades burocráticas com atos que lhe demandariam tempo e necessidade de “sair do piloto automático”, requerendo raciocínio, ainda que breve? Pouca desenvoltura no manejo do Português ou na construção de textos? Protesto – ainda que em prejuízo da reputação do Poder Público – contra a baixa remuneração? Reivindicação contra a falta de condições adequadas de trabalho? Ou a soma de todos esses motivos?

Não sabemos, ao certo, o porquê.

Há poucos dias da reunião do Fórum de Direito de Acesso a informações Públicas, que acontecerá em Brasília, objetiva-se contribuir, com este artigo, para a superação de alguns mitos relativos ao acesso às informações de caráter público, munindo tanto o cidadão, quanto os operadores do Direito, de orientações simples e claras, que lhes permita o manejo dos instrumentos que garantam defender o direito de obtenção de certidões com a energia e a segurança necessárias ao êxito.

De certo que as coisas mudaram, principalmente depois da Constituição Cidadão, de 1988. Por isso, ao tempo que se pretende denunciar e questionar a conduta de uma boa parcela de agentes públicos que se esquivam imotivadamente de seus deveres, é de se destacar – ainda que de forma breve – a existência de servidores que por vocação e dedicação ao encargo público que receberam, dignificam as instituições que compõem, com gestos de compromisso moral, que honram o mister que lhes foi confiado pela sociedade.

Portanto, nem tudo é “joio” no serviço público. É de se reconhecer a existência de “trigo”; e de muito boa qualidade. Mas nesta composição, a proposta é examinar justamente o “joio”, mormente no que respeita a negativa imotivada ao fornecimento de certidões, a bem do princípio constitucional da publicidade na Administração Pública.

Para tanto, pretende-se promover uma breve análise do instituto, bem como dos mitos utilizados para justificar a negativa ao fornecimento de certidões.


2. FUNDAMENTO LEGAL

O direito a obtenção de certidão, se encontra previsto no artigo 5º, XXXIII e XXXIV, ‘b’, sendo um dos direitos e garantias fundamentais previstos em nossa Carta Constitucional [i].

A lei n.º 9.051/95 dispõe especificamente sobre a expedição de certidões, para a defesa de direitos e esclarecimentos de situações, estabelecendo os seus limites[ii].

Este direito também se encontra resguardado na letra da Lei n.° 8.159/91, que trata da política nacional de arquivos públicos e privados[iii].

A Lei n.° 11.111/2005, que regulamenta a parte final do disposto no inciso XXXIII do caput do art. 5°, da Constituição Federal, trata justamente das informações a serem consideradas sigilosas, a fim de garantir a segurança nacional. De uma análise superficial, pode mesmo parecer que ela consistiria em obstáculo ao direito à obtenção de certidões. Mas, em verdade, o diploma legal, por vias transversas, reafirma tal direito, deixando claro o respeito ao acesso a documentos públicos de interesse particular, ou de interesse coletivo/geral, pois ressalva desta possibilidade, “exclusivamente”, as hipóteses em que o sigilo seja imperativo de segurança nacional[iv].

Saliente-se que o legislador, no que respeita a mencionada Lei n.º 11.111/2005, por certo não olvidou se tratar, o direito em discussão, de uma garantia fundamental e constitucional, que não poderia ser maculada sem que a lei quedasse inconstitucional. Em razão disso, criou pouquíssimas situações de exceção à regra da publicidade e tratou, ainda, de ressalvar: a) a necessidade de disciplina interna nos Poderes da União, dos casos de proteção sobre as informações; b) as hipóteses de acesso ao público, ainda que se trate de caso de documento sigiloso; c) o estabelecimento de prazos máximos do sigilo, quando os atos voltam a ser passível de conhecimento público; e, d) as normas processuais disciplinando a apresentação de requerimento para obter certidões, a serem cotejadas com o imperativo do sigilo, a fim de que se constate qual o bem jurídico a prevalecer em cada caso concreto.


3. CONCEITO DE CERTIDÃO

Juntamente com o atestado e o parecer, a certidão é espécie do gênero ato administrativo enunciativo, que visa favorecer aos interessados diretos e a população em geral o conhecimento e a possibilidade de controle dos atos da Administração Pública.

É também ato declaratório, quanto ao seu conteúdo. Nela, o dever da Administração é somente o de certificação ou atestado do fato que seja de seu conhecimento, constante do conjunto de dados por ela armazenados, ou a emissão de uma opinião sobre determinado assunto, sem se vincular ao seu enunciado.

Faz vezes de prova documental, reconhecendo-se em seu conceito as cópias e fotocópias de documentos.

Certidões são cópias ou fotocópias fiéis e autenticadas de atos ou fatos constantes de processo, livro ou documento que se encontre nas repartições públicas. Podem ser de inteiro teor ou resumidos, desde que expressem fielmente o que se contém no original de onde foram extraídas. Em tais atos o Poder Público não manifesta sua vontade, limitando-se a transladar para o documento a ser fornecido ao interessado o que consta de seus arquivos. As certidões administrativas, desde que autenticadas, têm o mesmo valor probante do original, como documento público que são. (Meirelles, 2000, p. 182).

É de se ressaltar que inseridos na expressão ‘repartição pública’, em acepção ampla, se encontram as entidades estatais, autárquicas, fundacionais ou paraestatais integrantes da Administração Direta ou Indireta do Estado. Todas, portanto, tem o dever de fornecer certidões, em sendo atendidas as condições estabelecidas em lei.


4. PRESSUPOSTOS PARA A OBTENÇÃO DE CERTIDÃO

De logo, destaque-se que não há dúvida alguma de que tal direito não é absoluto. É claro que é possível o indeferimento do pedido de expedição de certidões, caso o interesse público assim exija, ou não estejam presentes os requisitos necessários para a sua obtenção.

O direito à certidão objetiva satisfazer duas situações específicas: a defesa de direitos e o esclarecimento de situações de ordem pessoal.

Constitui direito subjetivo, portanto, cujo exercício requer, por parte de quem pretende exercê-lo, apresentação de razões para o requerimento (legitimidade do propósito), demonstração de ser pessoa interessada (prova do real interesse) e não recair o pedido sob informação ou documento de caráter sigiloso (não afetar a segurança nacional).

Ressalte-se, por importante, que a legitimidade para obter certidões não é presumível, sendo necessária a demonstração do interesse por parte de quem a requer, tanto por tanto. Com isso não se quer dizer que é necessário que o requerente integre a relação jurídica para comprovar seu legítimo interesse, mas que indique a finalidade que pretende, quando os fatos e atos não lhe digam respeito diretamente.

Objetiva-se evitar que a certidão se desvie do fim social a que se propõe, evitando-se casos onde o pedido pretenda mera satisfação de capricho, simples rivalidade, ou curiosidade mórbida, por meio do injustificado requerimento de certidões relativas à vida profissional de terceiros, flagrantemente impossibilitadas de trazer benefício prático ao interessado.

Há uma explicação lógica para a imposição no sentido de que justifique o particular as razões do pedido de certidões em repartição pública. É evitar que desocupados, por graça ou adversários políticos, por subversão, atormentem inutilmente aqueles que estão encarregados de cuidar de coisas mais importantes. Este relator já julgou certa feita mandado de segurança impetrado por Vereador que prometera a seus amigos ‘parar a Prefeitura’ de certa cidade, solicitando milhares de certidões atinentes a todos os proprietários que estavam com os impostos em dia. Nessa hipótese compreende-se que se exija o Poder Público, face ao absurdo do pedido, explicações sobre o uso da certidão e qual o interesse do requerente no ato certificativo. (TJSP – Ag. 194.238, 1ª Câmara Cível, j. 02/03/1971, Rel. Dês. Macedo de Campos – RT 429/126)

Saliente-se que nos casos em que consideradas sigilosas as informações, estas não podem ser franqueadas ao público, sob risco de responsabilidade penal, administrativa e civil do agente que lhe deu causa, por desrespeito a princípio de ordem pública (segurança nacional).

Como se vê, a ausência de qualquer um dos pressupostos é suficiente para o indeferimento do pedido. Mas se tratam de exceções. A regra é o direito de obter certidões.


5. PRINCÍPIO DA PUBLICIDADE NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. AFLUENTE À GARANTIA CONSTITUCIONAL DE OBTENÇÃO DE CERTIDÕES

Em sentido formal, a Administração Pública, é o conjunto de órgãos instituídos para consecução dos objetivos do Governo; em sentido material, é o conjunto das funções necessárias aos serviços públicos em geral; em acepção operacional, é o desempenho perene e sistemático, legal e técnico, dos serviços do próprio Estado ou por ele assumidos em benefício da coletividade. Numa visão global, a Administração Pública é, pois, todo o aparelhamento do Estado preordenado à realização de seus serviços, visando à satisfação das necessidades coletivas.(Meirelles, 2000, p. 60)

O princípio da publicidade se encontra expresso no art. 37, da Constituição Federal, sendo inerente à Administração Pública. Objetiva o conhecimento, por parte de toda a estrutura estatal e da sociedade em geral, dos atos de determinado órgão da Administração Pública. Consiste, por linhas transversas, no dever de agir com a maior transparência possível, a fim de que os administrados possam conhecer o que os administradores realizam supostamente em seu nome e em seu benefício.

Todo poder "emana do povo" (art. 1.º, parágrafo único, da CF) e em nome dele deve ser exercido, não é mesmo? Então, nada mais justo do que seus “mandantes” terem pleno acesso às informações que lhes garantam constatar se os “mandatários” – os agentes públicos, nos mais diversos níveis, cada um investido em sua parcela de poder – estão laborando em benefício da sociedade e dentro dos limites estabelecidos por ela, através das leis.

Evidencie-se que a publicidade não é um requisito de forma do ato administrativo, mas condição de eficácia e moralidade. Daí que a publicidade dos atos irregulares não lhe convalidam, bem como os atos regulares não lhe dispensam, para que tenham efetividade.

Nesse diapasão, é de se salientar a presunção juris et de jure que resguarda o princípio da publicidade. É que se presume, de forma absoluta, que os destinatários do ato administrativo têm plena ciência do mesmo, desde que lhe seja dado publicidade, na forma prevista ema lei – por meio da publicação em órgão de imprensa oficial, ou por comunicação direta aos interessados, a depender da abrangência do mesmo.

Assim, se a publicação feita no Diário Oficial foi lida ou não, se a comunicação protocolada na repartição competente chegou ou não às mãos de quem de direito, se o telegrama regularmente recebido na residência do destinatário chegou faticamente a suas mãos ou se eventualmente foi extraviado por algum familiar, isto pouco ou nada importa se as formalidades legais exigidas foram inteiramente cumpridas no caso.

Nesse sentido, afirma MELLO: o conhecimento do ato é um plus em relação à publicidade, sendo juridicamente desnecessário para que este se repute como existente (...). Quando prevista a publicação do ato (em Diário Oficial), na porta das repartições (por afixação no local de costume), pode ocorrer que o destinatário não o leia, não o veja ou, por qualquer razão, dele não tome efetiva ciência. Não importa. Ter-se-á cumprido o que de direito se exigia para a publicidade, ou seja, para a revelação do ato." (SERESUELA, 2002)

Por fim, evidencie-se que a publicidade diz respeito a todo o processo de formação do ato administrativo, ou seja, são públicos os despachos administrativos as manifestações, os pareceres e todos os atos preparatórios integrantes dos procedimentos que objetivam construir o ato administrativo propriamente dito. Não há porque negar publicidade àqueles, se tangenciados pela necessidade de divulgação, se encontram estes.

... não se admitem ações sigilosas da Administração Pública, por isso mesmo é pública, maneja a coisa pública, do povo (...) as certidões, contudo, não são elementos da publicidade administrativa, porque se destinam a interesse particular do requerente. (Silva, 2004, p. 649).

Aqui reside o ponto nodal da questão, onde o princípio da publicidade dos atos da Administração Pública enlaça a garantia de obtenção de certidões. É que esta garantia fundamental é uma das conseqüências do princípio da publicidade.

De certo que as certidões não são rudimentos da publicidade administrativa, uma vez que seu objetivo é atender interesses particulares de quem os requer. Mas diante da necessidade de publicidade dos atos da administração pública, para que, enfim, se aperfeiçoem (aqui, se encontra em jogo sua existência jurídica), sua expedição consiste verdadeiro dever/obrigação da Administração Pública, fornecendo as informações solicitadas pelos usuários dos seus serviços, desde que atendidos os requisitos legais e respeitados os limites constitucionais da publicidade (art. 5.º, X[v], XIV[vi] e XXXIII[vii], c/c. art. 37, § 3.º, II[viii], da CF).

6. REMÉDIOS PARA OS CASOS DE NEGATIVA/OMISSÃO À EXPEDIÇÃO DE CERTIDÕES

Presentes os pressupostos exigidos pela lei n.º 9.051/95 (apresentação de razões para o requerimento, demonstração de ser o requerente a pessoa interessada e não recair o pedido sob informação ou documento de caráter sigiloso), uma vez negado ou simplesmente ignorado o pedido pelo Poder Público (o agente público dispõe de prazo de quinze dias, a contar do requerimento, para fornecer a certidão ou apresentar suas razões para negar a expedição), quem se entender prejudicado em seu direito deve manejar os seguintes remédios constitucionais: habeas data (art. 5.º, LXXII, da CF[ix]) e mandado de segurança (art. 5.º, LXX, da CF[x]), a depender de se tratar de informação de caráter pessoa ou de caráter geral, ou mesmo as vias ordinárias, caso assim prefira.

CERTIDÃO ADMINISTRATIVA – Direito de obtenção (art. 5º, XXXIV, b, da CF). Omissão administrativa. Autoridade que não fornece certidão no prazo constitucional. Lesão a direito líquido e certo configurada. MS concedido. Inteligência do art. 114 da Constituição do Estado. (TJSP – Ap. 119.889-1 – (reexame) – Rel. Des. Ernani de Paiva – J. 08.03.1990) (RT 653/106, apud Juris Síntese nº 16, ementa sob nº 100145 - cd rom); MANDADO DE SEGURANÇA – CERTIDÃO ADMINISTRATIVA, DOCUMENTOS E INFORMAÇÕES – DIREITO DE OBTENÇÃO (ART. 5º, INCS. XXXIII E XXXIV, B, DA CF) – RECURSO E REMESSA DESPROVIDOS – Qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público de modo que a negativa no fornecimento de certidões, documentos e informações solicitados não se afeiçoa ao princípio de transparência dos atos da administração pública. Assim a autoridade que se esquiva de apresentar certidões ou de prestar informações de interesse particular ou de interesse coletivo ou geral (CF, art. 5º, XXXIII), age contra disposição prevista no art. 5º, inc. XXXIV, b da Carta Magna e a omissão enseja a interposição de mandado de segurança. (TJSC – AC em mandado de segurança 97.003746-5 – 2ª C.C.Esp. – Rel. Des. Nelson Schaefer Martins – J. 14.08.1997)

Cabe, ainda, em sendo o caso, representar o agente público negligente, ou que agiu de forma abusiva em seu cargo, emprego ou função pública, promovendo a negativa infundada da expedição da certidão ou omitindo-se em responder ao respectivo requerimento, nos termos do art. 37, §3º, I e II[xi], da CF/88.


Para tanto, deve se recorrer ao exposto no art. 116, da Lei n.º 8.112/90[xii], que trata dos deveres do servidor público federal (ou, a depender do caso, os regimes jurídicos dos servidores públicos estaduais e municipais que, em geral, reproduzem este dispositivo da lei federal).

Destaque-se, entre os deveres do servidor público, os conexos a discussão que ora se promove, quais sejam, o de “exercer com zelo e dedicação as atribuições do cargo”, “observar as normas legais e regulamentares”, “atender com presteza ao público em geral, prestando as informações requeridas, ressalvadas as protegidas por sigilo, bem como promover à expedição de certidões para defesa de direito ou esclarecimento de situações de interesse pessoal”.

Quando se tratar especificamente de certidão de ato ou termo de processo judicial, saliente-se que o Código de Processo civil prevê, em seu art. 141, V[xiii], como dever do Escrivão, sendo desnecessário despacho do juiz neste sentido. Assoberbado como se encontra o Judiciário nos dias atuais, seria sem propósito ocupar o tempo precioso do magistrado com esta atividade, de deferimento de requerimentos de expedição de certidões, quando a Constituição e diversas leis federais, juntamente com o CPC, já trataram de garantir tal direito.


7. CONCLUSÕES

Como mencionado, este trabalho tem como objetivo tratar da forma mais simples póssível o estudo deste que é um direito fundamental garantido constitucionalmente a todo cidadão.

A regra geral, no serviço público, é a obrigação de fornecimento de certidões, em obediência a Constituição Federal e a Lei n.º 9.051/95. O servidor público, por sua vez, está obrigado a efetuar o fornecimento do documento por força da Constituição e da Lei n.º 8.112/90. Em se tratando de certidão de atos e termos constantes de processo judicial, o escrivão deve obedecer à letra específica do art. 141, V.

Preenchidos os requisitos legais para a obtenção, bem como não se tratando de questão de sigilo para preservação de segurança nacional (são raros os casos), trata-se de garantia fundamental do cidadão a obtenção de tal documento, atestando situações que se agreguem a seus interesses particulares.

Para a resistência infundada de alguns agentes públicos, que se maneje, em contrapartida, os instrumentos legais colocados a disposição de qualquer um do povo.

É preciso que se rompa com a malsinada prática da negativa infundada à expedição de certidões, que não encontra alicerce em lugar algum, a não ser no comodismo, na truculência e na falta de civilidade de alguns elementos ocupantes de funções públicas, que envolvidos com seus próprios interesses pessoais, se esquecem que, como o nome de seu cargo indica, o “servidor público” presta serviços aos seus verdadeiros patrões, o povo, que é quem os remunera, devendo fazê-lo de forma respeitosa e eficiente.

De sua parte, a população precisa abrir mão do “jeitinho”, da alegação de parentesco ou estabelecimento de amizade pessoal e interesseira com autoridades, dos favores e do “pagamento por fora”, quando buscam acessar a máquina administrativa, pois que esta foi criada para lhe atender as necessidades, não carecendo que se submetam à constrangimento e humilhação para vê-la funcionar.

Só assim, modificar-se-á a realidade de acesso aos serviços públicos, e este passará a ocorrer de forma eficiente para quem lhe remunera. Velhos vícios e práticas que não servem mais, se rompem com doses concentradas de questionamentos coerentes, com coragem mas, sobretudo, com respeito.
[i] XXXIII - todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado.
XXXIV, ‘b’ - são a todos assegurados, independentemente do pagamento de taxas: a obtenção de certidões em repartições públicas, para defesa de direitos e esclarecimento de situações de interesse pessoal.
[ii] Art. 1° - As certidões para a defesa de direitos e esclarecimentos de situações, requeridas aos órgãos da administração centralizada e autárquica, as empresa pública, às sociedades de economia mista e às fundações públicas da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, deverão ser expedidas no prazo improrrogável de quinze dias, contado do registro do pedido no órgão expedidor”.
Parágrafo único – nos requerimentos que objetivam a obtenção das certidões a que se referem esta lei, deverão os interessados fazer constar esclarecimentos relativos aos fins e razões do pedido

[iii] Art. 4º Todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular ou de interesse coletivo ou geral, contidas em documentos de arquivos, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado, bem como à inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas.
Art. 22. É assegurado o direito de acesso pleno aos documentos públicos.
Art. 23. Decreto fixará as categorias de sigilo que deverão ser obedecidas pelos órgãos públicos na classificação dos documentos por eles produzidos. § 1º Os documentos cuja divulgação ponha em risco a segurança da sociedade e do Estado, bem como aqueles necessários ao resguardo da inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas são originariamente sigilosos. § 2º O acesso aos documentos sigilosos referentes à segurança da sociedade e do Estado será restrito por um prazo máximo de 30 (trinta) anos, a contar da data de sua produção, podendo esse prazo ser prorrogado, por uma única vez, por igual período. § 3º O acesso aos documentos sigilosos referente à honra e à imagem das pessoas será restrito por um prazo máximo de 100 (cem) anos, a contar da sua data de produção.
Art. 24. Poderá o Poder Judiciário, em qualquer instância, determinar a exibição reservada de qualquer documento sigiloso, sempre que indispensável à defesa de direito próprio ou esclarecimento de situação pessoal da parte. Parágrafo único. Nenhuma norma de organização administrativa será interpretada de modo a, por qualquer forma, restringir o disposto neste artigo.

[iv] Art. 2° - O acesso aos documentos públicos de interesse particular ou de interesse coletivo ou geral será ressalvado exclusivamente nas hipóteses em que o sigilo seja ou permaneça imprescindível à segurança da sociedade e do Estado, nos termos do disposto na parte final do inciso XXXIII do caput do art. 5°, da CF.

Art. 5° - Os Poderes Legislativo e Judiciário, o Ministério Público e o Tribunal de Contas da União disciplinarão internamente sobre a necessidade de manutenção da proteção das informações pos eles produzidas, cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado, bem como a possibilidade de seu acesso quando cessar essa necessidade, observada a Lei n.° 8.159/91, e o disposto nesta Lei.

Art. 6° - O acesso aos documentos públicos classificados no mais alto grau de sigilo poderá ser restringido pelo prazo e prorrogação previstos no §2°, do art. 23 da Lei n.° 8.159/91. §1° Vencido o prazo ou sua prorrogação de que trata o caput deste artigo, os documentos classificados no mais alto grau de sigilo tornar-se-ão de acesso público. §2º Antes de expirada a prorrogação de que trata o caput deste artigo, a autoridade competente para a classificação do documento mais alto grau de sigilo poderá provocar, de modo justificado, a manifestação da Comissão de Averiguação e Análise de Informações Sigilosas para que avalie se o acesso ao documento ameaçará a soberania, a integridade territorial nacional ou as relações internacionais do País, caso em que a Comissão poderá manter a permanência da ressalva ao acesso do documento pelo tempo que estipular. §3° Qualquer pessoa que demonstre possuir efetivo interesse poderá provocar, no momento que lhe convier, a manifestação da Comissão de Averiguação e Análise de Informações Sigilosas para que reveja a decisão de ressalva a acesso de documento público classificado no mais alto grau de sigilo. §4º Nas hipóteses a que se refere o §3º deste artigo, a Comissão de Averiguação e Análise de Informações Sigilosas decidirá pela: I – autorização de acesso livre ou condicionado ao documento; II – permanência da ressalva ao seu acesso.

Art. 7° Os documentos públicos que contenham informações relacionadas à intimidade, vida privada, honra e imagem das pessoas, e que sejam ou venham a ser de livre acesso, poderão ser franqueados por meio de certidão ou cópia do documento, que expurgue ou oculte a parte sobre a qual recaia o disposto no inciso X, do caput do art. 5°, da CF. Parágrafo Único – As informações sobre as quais recaiam o disposto no inciso X do caput do art. 5° da CF terão o seu acesso restrito à pessoa diretamente interessa ou, em se tratando de morto ou ausente, ao seu cônjuge, ascendente ou descendente, no prazo de que trata o §3°, do art. 23, da Lei n.° 8.159/91.

[v] X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação

[vi] XIV - é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional
[vii] todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado
[viii] § 3º A lei disciplinará as formas de participação do usuário na administração pública direta e indireta, regulando especialmente: II - o acesso dos usuários a registros administrativos e a informações sobre atos de governo, observado o disposto no art. 5º, X e XXXIII.
[ix] LXXII - conceder-se-á "habeas-data": a) para assegurar o conhecimento de informações relativas à pessoa do impetrante, constantes de registros ou bancos de dados de entidades governamentais ou de caráter público; b) para a retificação de dados, quando não se prefira fazê-lo por processo sigiloso, judicial ou administrativo.

[x] LXIX - conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por "habeas-corpus" ou "habeas-data", quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público.

[xi] § 3º A lei disciplinará as formas de participação do usuário na administração pública direta e indireta, regulando especialmente: I - as reclamações relativas à prestação dos serviços públicos em geral, asseguradas a manutenção de serviços de atendimento ao usuário e a avaliação periódica, externa e interna, da qualidade dos serviços; II - o acesso dos usuários a registros administrativos e a informações sobre atos de governo, observado o disposto no art. 5º, X e XXXIII.

[xii] Art. 116. São deveres do servidor: I - exercer com zelo e dedicação as atribuições do cargo; I - ser leal às instituições a que servir; III - observar as normas legais e regulamentares; (...) V - atender com presteza: a) ao público em geral, prestando as informações requeridas, ressalvadas as protegidas por sigilo; b) à expedição de certidões requeridas para defesa de direito ou esclarecimento de situações de interesse pessoal.

[xiii] Art. 141. Incumbe ao Escrivão: (...) V – dar, independente de despach, certidão de qualquer ato ou termo do processo, observado o disposto no art. 155.


BIBLIOGRAFIA

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. Júris Síntese Millenium. Editora Síntese Ltda. 2000, com atualizações. CD-ROM.

BRASIL. Lei n.º 11.111/05. Regulamente a parte final do disposto no inciso XXXIII do caput do art. 5º da Constituição Federal e dá outras providências. Júris Síntese Millenium. Editora Síntese Ltda. 2000, com atualizações. CD-ROM.

BRASIL. Lei n.º 9.051/95. Dispõe sobre a expedição de certidões para a defesa de direitos e esclarecimento de situações. Júris Síntese Millenium. Editora Síntese Ltda. 2000, com atualizações. CD-ROM.

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Resumo direito administrativo

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella, Direito Administrativo, São Paulo, Atlas, 2004.

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. é Assessora Jurídica do Gabinete da Procuradora-Chefe do Ministério Público do Trabalho em Alagoas – Procuradoria Regional do Trabalho da 19ª Região/AL, Pesquisadora da Escola Superior do Ministério Público da União, Escritora, Professora de Direito do Trabalho, Pesquisadora das questões relativas às pessoas com deficiência e ao assédio moral, articulista de sites jurídicos e Consultora Voluntária da Rede SACI – para pessoas com deficiência. (ritarita2000@hotmail.com)

Hoje a tarde, às 14h, estarei proferindo a palestra "A atuação do Ministério Público do Trabalho em defesa da dignidade da pessoa com deficiência", no Seminário sobre Saúde e Segurança do Trabalhador e Reabilitado Profissional, evento realizado pelo INSS.
Sorte para mim!

Conto: Dignidade.



Conto
DIGNIDADE*

Ela atravessou a rua movimentada, repleta de sonhos e esperanças. Olhos brilhantes, um leve sorriso esboçado no rosto visivelmente jovem. O coração compassado a muito custo, mas cuja batida, de tão forte, parecia que ia ser ouvida no momento da entrevista.

Embora tivesse pressa, cruzou a larga avenida pela faixa, ao acender-se o semáforo para pedestres, embora tal ato aumentasse, substancialmente, o caminho a ser percorrido até o seu destino. É que era moça criada com muitos cuidados, embora de origem humilde. Tinha sido bem ensinada a cumprir as regras, normas e orientações vindas dos mais velhos e das autoridades, sem muito questionar.
“Agora ia dar certo!” – falou para si mesma. Com muito sacrifício, formou-se em magistério em sua cidadezinha natal, lá no alto sertão, lugar onde a dor, o sofrimento e a efemeridade das coisas ensinam que a vida é só para os corajosos, para os que querem um pouco mais do que, simplesmente, “ver o tempo passar na janela”. Não, não permitiria que secassem sua pele e seus sonhos, como secavam periodicamente as paisagens de seu torrão!

Adiantou-se bem nos estudos. Só completaria 18 anos dali há 8 meses. Mas ouviu falar que já podia trabalhar com carteira assinada, “tudo direitinho, que depois dos 16 anos já podia”. Assim, viera para a “cidade grande”, certa que conseguiria o tão sonhado “primeiro emprego”, com o qual – em seu coraçãozinho franco – ansiava ajudar a família.

Luizinho, seu irmão, por certo enfrentaria menos dificuldades para concluir seus estudos. Quem sabe até – menino esperto e ligeiro que era – pudesse prosseguir e chegar à universidade. Filho doutor... que alegria para seus pais!

Para o seu pai – artesão habilidoso – mais nunca devidamente reconhecido em sua comunidade – compraria o pirógrafo profissional. Nas poucas horas vagas que lhe sobravam da lida no corte da cana dedicava-se a arte de talhar madeira. Qualquer uma que lhe chegasse às mãos. Era o que lhe dava o prazer e a alegria necessários para tocar sua vida e seguir em frente.

E o mais importante: finalmente, poderia custear a cirurgia de varizes necessária ao restabelecimento da saúde de sua mãe, que de tantas dores e desconforto, já não trabalhava e pouco se locomovia. Até aquele momento, do SUS, só haviam promessas e uma fila “desumana” a enfrentar.

Instalara-se na casa da “madrinha de uma prima” (não tinha ninguém mais próximo na capital). Buscava ficar invisível a maior parte do tempo, para causar o mínimo de desconforto. Mas essa tarefa era por demais difícil, numa casa de apenas um quarto, onde a tal senhora, viúva, morava com um casal de filhos e um netinho de cinco anos, fruto da “pouca vergonha” de sua filha (repetia sempre que podia).

Nenhum deles trabalhava. Viviam da pensão do finado marido, que havia morrido em razão da queda de um andaime, na construção de um edifício grã-fino, luxuoso e exuberante, para os seus futuros moradores, mas mesquinho e algoz com os que lhe deram forma e estrutura.

Comentavam que o finado, em vida, não permitia a situação da família ser ruim. Só que ele sempre trabalhou “de bico”. E os meses decorridos entre a briga judicial para a comprovação da situação de que o finado era empregado da construtora – arrastados ao máximo por atuação do advogado da empresa – e a concreta percepção do benefício, foi tempo mais que suficiente para que fossem obrigados a vender os poucos bens e objetos que possuíam em sua casa. Consumido esse humilde tesouro, passaram à segunda fase da degradação social do ser humano: a perda do crédito nas mercearias do bairro. Por fim, o golpe de misericórdia: o penhor da honra aos agiotas.

Vez por outra, esses abutres de plantão adentravam, sem respeito, em sua residência, ameaçando-os, na vã esperança de ver, de volta, a cor do dinheiro que empenharam, isso como uma última medida antes de partirem para o cumprimento das promessas de ameaças física. Tal dívida dilapidara a vida e o caráter da família, comentava a vizinhança. Não bastasse o constrangimento de tais “visitas” e a ironia da fala desses magarefes, um ou outro sempre lhe lançavam olhares fulminantes e desrespeitosos. Tinha sua formosura e encantos, naturais. Estar na flor da idade também ajudava muito.

Nesse cenário, não podia contribuir com nada. Procurava não ser um peso. Silenciava para não ser percebida. Sentia que após três meses dessa convivência forçosa, começava a ser indesejada. “De favor não podia mais ficar por muito tempo. Precisava do emprego para custear ao menos o que consumia”.

Com esta, já era a sétima seleção a que se submetia nos três meses que se encontrava na cidade grande (grande pelo menos aos seus olhos).

A primeira, não passou da sala de espera da diretoria da escolinha de ensino fundamental. Foi avisada, sem cerimônias, pela secretária, que a filha de uma amiga da diretora, por telefone, atropelou-lhe o sonho do primeiro emprego já na área para qual havia se qualificado.

Não se deu por vencida: distribuiu currículos, custeados com o pouco dinheiro que trouxera, preencheu fichas para seleção, foi ao SINE – Sistema Nacional de Empregos, mas não conseguiu participar de nenhuma seleção em sua área. Não conhecia ninguém que lhe indicasse ou servisse de referência, o que dificultava as coisas. “A vida está difícil, mesmo” – pensou – “aceito uma boa proposta de emprego, mesmo fora da minha área, emergencialmente, e em seguida busco com calma o emprego que sonhei pra mim”.

Fez amizade com o dono da banca de revistas do bairro, e passou a ler os classificados todas às manhãs. Isso com muito cuidado, para não amarrotar o exemplar. Copiava tudo o que lhe parecesse possível, sem muito critério. Sua necessidade atropelara sua auto estima e suas exigências mínimas.

Sua segunda tentativa foi numa loja de cosméticos, no centro da cidade.
“Carteira assinada!? Olha, veja bem, você começa a trabalhar e, dependendo do seu ‘traquejo’, a gente vê isso depois”. Disse um sonoro não! Havia lido tudo direitinho, na cartilha distribuída no SINE. “Tem que ter carteira assinada! Eu sei! Senão, não tem as garantias para se eu vier adoecer ou, Deus me livre, vier a morrer. E a aposentadoria? Assim não vão ser contados ‘os tempos’! Não, obrigada”. Saiu da loja de cabeça erguida e honra intocada. Percebeu ar de riso por parte das pessoas que presenciaram a cena, mas não se permitiu aviltar.

“Procura-se mulher de pele clara, boa aparência, até vinte e cinco anos, para trabalhar em barzinho; não precisa ter referências”.

“Para ser sincero, melhor que não as tenha” – falou o dono do Bar da Estrela, homem de meia idade, palito de dente no canto da boca, corrente grossa de ouro no pescoço e pele tão oleosa que lustrava sob a luz da lâmpada amarelada da salinha abafada que ficava aos fundos do estabelecimento. “Sabe como é... a clientela gosta de novidade. Aqui eu não permito programa! Se você quiser fazer por conta própria, você é quem sabe. Mas o cliente tem que adiantar 50% do que vai lhe pagar para poder lhe tirar da casa. É para sua própria segurança, sabe? Aqui você faz os pedidos, serve as mesas, ao final do dia lava e limpa o salão, ajuda na cozinha e, se o cliente quiser, pode dançar em cima da mesa, sim, sem problemas!. Aí, o resto, você em quem resolve se faz ou não. Aqui eu não forço nada! Agora você não pode vir vestida assim não! Tá muito comprida essa saia! Mas as outras meninas lhe ajudam a melhorar essa aparência. Você até que é jeitosa... Ah! Tem que providenciar um documento ‘de maior’ para você, para não dar problema com a Polícia.”

Num misto de nervoso e boa educação, agradeceu e saiu correndo. Uma lágrima pendia de um olho. Apenas uma, embora o fato justificasse uma cascata. O sertanejo chora com o coração, com o peito. Não lhe é dado o luxo desse fenômeno natural. “O que foi líquido, economiza-se”.

“Isso nunca – falou em voz alta, para si mesma – hei de me guardar, não para depois do casamento, pois não sou casta, mas para quem eu vier a amar. Nunca deitarei por dinheiro”.

Depois veio a seleção para a vaga de secretária num escritório médico. Exigiram computação. Bem que tentou fazer o curso, ainda no interior, oferecido por uma entidade sem fins lucrativos. Mas o rebuliço foi grande na cidade; haviam muitos interessados; ficou de fora.

Na seleção para cobrador de ônibus da empresa de transporte urbano, exigiram experiência anterior.

Na de vigilância suas esperanças se reacenderam. Passou por dinâmica, psicotécnico e entrevista. No dia do resultado, a notícia desagradável: reprovada!

“Mas eu só queria saber o que foi que eu fiz de errado! O que foi que eu disse!?”

“Não vem ao caso. A seleção é sigilosa e não podemos divulgar o por quê”.

“Mas eu só queria...”

Diante de seus olhos, jazia embaixo dos cotovelos da entrevistadora, como se fossem uma improvisada “tranca de segurança”, a pasta transparente, onde reconhecia seu teste; limpo, organizado, de letra legível, como lhe ensinara Dona Teresinha, a professora do primário, lição que sorveu de um fôlego só e carregou pelo resto da vida.

“Mas, hoje seria diferente”, desejava com ardor.

Chegou. Apresentou-se. A vaga era para auxiliar de serviços gerais em uma fábrica de refrigerantes. A entrevistadora não chegou a ser desagradável, mas a sua frieza a assustou. Não lembrava ter conhecido ninguém assim em sua vida. “Vai ver é a frieza que contamina as pessoas da cidade grande”, pensou.

Ela foi logo lhe dizendo: “aqui você não vai ser empregada. Aqui você é sócia; é dona do negócio. Somos uma cooperativa de médicos, engenheiros, motoristas, encanadores, mecânicos, modelos e auxiliares de serviços gerais. E tudo funciona direitinho. Agora, só tem vaga para serviços gerais. Primeiro, você tem que preencher essa ficha com os seus dados, e essa outra concordando com o estatuto da cooperativa. Ah, também tem esse papel para você assinar. Está em branco, mas é que eu não tive tempo de preencher, e para facilitar, você assina logo e eu preencho depois. Em seguida, você tem de pagar R$ 150,00, ‘no ato’, se aceitar a proposta, para custear sua adesão. Sabe como é... a papelada de adesão custa caro!” Tudo aquilo lhe causava estranheza. Nunca tinha ouvido de que se tivesse de “pagar” para poder trabalhar.

Continuou: “agora, quando você passar a trabalhar, só receberá dois terços do salário, pois o outro terço é convertido em favor da cooperativa, para manter a estrutura dessa sala, aqui na empresa de refrigerantes. Afinal, sem essa sala, não temos como intermediar o fornecimento de mão-de-obra. Ela é essencial. Você não vai ter carteira assinada; mas é porque não é empregada, eu já expliquei, você é autônoma, dona do seu negócio, juntamente com os outros sócios. É tudo muito vantajoso! Agora, você tem que pagar, ainda, por fora, o seu fardamento, botas, luvas, e ajudar no custeio do material de limpeza. Sabe como é...se a gente não cobra nada, é aquele estrago de sabão, desinfetante... mas não se preocupe. Esse desconto é só a partir do primeiro salário”.

Tão grande seu espanto, que teve receio de seu semblante expressar as desconfianças que lhe vinham à mente. Controlou-se para não franzir as sobrancelhas. Não podia perder essa chance.

“Espere, eu ainda não acabei de mencionar as vantagens! No horário de trabalho, você poderá tomar todo o refrigerante que você quiser; tanto quanto puder. Só é trazer o copo. Agora, água não tem não. Se não quiser refrigerantes, vai ter que se servir da água da torneira do único banheiro disponível para os empregados da fábrica. Água custa caro!”

Tentou explicar que especialmente para ela, não era vantagem alguma, que não podia tomar refrigerantes, pois lhe ocorriam dores abdominais fortíssima, seqüelas de uma esquistossomose que lhe acompanhou por toda a infância e lhe deixou o “intestino” delicado.

“Só trabalhamos para essa empresa. É aqui mesmo que você irá trabalhar. Também não permitimos alterações no contrato de adesão. Você só está ‘dentro’ se aceitar tudinho que está no documento. Você tem os R$ 150,00?” Não tinha.

“Gostei de você. Vou te ajudar. Espero até o fim do mês a sua adesão. Deixo sua vaga reservada”.

Saiu do escritório da tal cooperativa, encravado na estrutura da fábrica de refrigerantes, com a cabeça a mil. Como conseguir o tal dinheiro? Tinha quase vinte dias, o que era um bom prazo, mas não sabia o que fazer para levantar tal quantia.

Já eram 11h da noite e sequer tinha comido nada até àquela hora. Estava imóvel, no sofá de dois lugares, que lhe servia de cama, da minúscula sala da casa da viúva. Abraçou-se a uma almofada descosturada, em cuja fenda circulava o dedo indicador, com a insistência de um mantra. Não conhecia ninguém na cidade, afora a família falida que lhe acolhera meio a contra gosto.

Naquele dia conseguiu, finalmente, ser invisível.

Que fazer? Não poderia contar com seus pais. Assim ficou o resto do dia. Quieta, em frente à velha televisão, mas sem perceber as imagens, absorta em seu mantra.

Para não dormir em jejum, um café aguado (economia de pó) com pão dormido. Tamanha a confusão de idéias, que sequer lembrou de comer. E nem foi indagada por ninguém, se desejava se alimentar.

No dia seguinte, levantou-se, resoluta, antes do nascer do sol. Não se acordou, pois sequer dormiu, tamanha a euforia com a enxurrada de idéias que lhe vinham à mente. Debatia-se com umas, abraçava outras... confusão mental.

“Seria só uma vez” – pensou. Lavou o rosto, cortou e costurou a barra de sua melhor saia, calçou suas sandálias de festa, olhou-se nos olhos, no pequeno espelho do banheiro, passou o batom vermelho que encontrou por ali e saiu resoluta em direção ao Bar da Estrela...
* Conto publicado na Coletânea, resultado de concurso, "Trabalho e condição humana - Poesia e Conto", do TRT 19ª Região/AL, em março/2006.

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